Imagem do levantamento aerofotogramétrico, realizado no final de janeiro pelo Engenheiro Cartógrafo Leonardo Ercolin Filho, professor do Departamento de Geomática da UFPR.
As imagens aéreas do Assentamento Contestado dão pistas da vida que se leva naqueles quase três mil hectares de terras, localizadas no município da Lapa, a 70 quilômetros de Curitiba (PR). Uma área rural que conjuga produção diversificada e preservação da mata, barracões, moradias, e, como não poderia faltar, um campo de futebol. Depois de 20 anos vivendo e produzindo na área, as famílias assentadas querem concretizar um sonho antigo: a construção de um Centro de Convivência para a realização de atividades culturais, sociais e de comercialização da produção local.
Antes dos próprios assentados colocarem a “mão na massa” para erguer a obra, diretores e sócios do Sindicato dos Engenheiros do Paraná (Senge-PR) e do Sindicato dos Arquitetos e Urbanistas do Paraná (Sindarq) trabalham para criar o projeto arquitetônico e complementar do Centro. “Iniciamos o projeto no segundo semestre de 2018, quando começamos as conversas com as famílias, para entender as demandas”, explica Luiz Calhau, Engenheiro Civil e diretor do Senge-PR que integra a ação. “Nossa intenção é envolver estudantes que buscam formação profissional para além da universidade, a partir da interação com movimentos sociais”, completa.
Reuniões de integrantes do Senge e do Sindarq com famílias assentadas (Foto: Arquivo)
O objetivo da comunidade é amplo, conforme explica Nei Orzekovski, morador da área há 20 anos e integrante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST): “Nossa meta é que caibam umas 600 pessoas. Queremos que sirva para a nossa comunidade e para os movimentos sociais, sindicatos e entidades urbanas também. É para ser muito bonito, para festas, casamentos, sala de artesanato, salão de beleza, academia. Tudo que movimenta a comunidade”. Atualmente, 160 famílias moram na área, sendo 108 assentadas e outras 52 que compartilham o espaço, entre filhos e parentes dos assentados.
A expectativa é de que o Centro tenha cerca de 1.200 m2 de área coberta, além de uma praça linear com espaços de lazer e recreação. O levantamento aerofotogramétrico, uma das etapas iniciais do projeto, ficou pronto no final de janeiro. A medição foi realizada pelo professor do Departamento de Geomática da UFPR, Engenheiro Cartógrafo Leonardo Ercolin Filho, e gerou uma nuvem de pontos cartográficos e uma imagem da área em 3D.
O levantamento aerofotogramétrico foi executado com a tecnologia VANT e gerou uma nuvem de pontos cartográficos e uma imagem da área em 3D (Foto: Arquivo)
“Para nós é uma parceria excelente. Faz anos que falamos dessa ideia. Senão fosse a disponibilidade dos engenheiros e arquitetos dos Sindicatos, não teríamos como montar um projeto desse tamanho. É muito caro”, explica Orzekovski, que faz parte da coordenação do assentamento. Os recursos para erguer o Centro de Convivência são da própria comunidade. A previsão é ter o projeto técnico pronto até julho, para iniciar a obra em agosto.
Engenharia para o interesse coletivo
E não é a primeira vez que integrantes do Senge e do Sindarq integram projetos de melhorias no Contestado. Em 2009, diretores e mais de 20 estudantes ligados ao Senge Jovem foram responsáveis pela elaboração dos projetos de reforma de 110 casas na comunidade.
O projeto está aberto a participação de estudantes de Engenharia e Arquitetura (Foto: Arquivo)
José Carlos Gomes Filho conheceu o Contestado durante o projeto de 2009, quando cursava Engenharia Civil na UFPR. Dez anos depois, agora como engenheiro sócio do Senge, ele está entre os profissionais que desenvolve o projeto do Centro de Convivência. Para o engenheiro civil, trabalhar junto ao assentado da reforma agrária tem sido uma tarefa bastante prazerosa e agregadora.
“A grande diferença entre desenvolver um trabalho deste porte é que na maioria das vezes um projeto técnico de engenharia se envolve com interesses particulares e alheios ao desenvolvimento coletivo, o que mascara a real importância da engenharia: servir como vetor de mudança da sociedade e não como ferramenta de acúmulo para interesses individuais. Nossa intenção é expandir essa vivência, integrando principalmente estudantes, para conhecerem a realidade do pequeno produtor rural, desmistificarem o que a grande mídia expõe sobre o movimento e se envolverem diretamente com um projeto multidisciplinar que abrange várias áreas da engenharia”, relata José Carlos.
Produção, estudo e convivência comunitária
A construção do Centro de Convivência vai compor um conjunto de equipamentos comunitários e públicos já erguidos e conquistados pelos assentados ao longo de 20 anos. Além das moradias e áreas de produção, o Assentamento dá espaço para a Escola Latino Americana de Agroecologia (ELAA), um colégio estadual, uma escola municipal, uma creche (chamada pelos assentados de Ciranda Infantil), uma Unidade Básica de Saúde e um Casarão Cultural, que realiza sessões de cinema semanalmente, entre outras apresentações culturais.
A Escola Municipal e o Colégio Estadual atendem cerca de 120 crianças e adolescentes (Foto: Michele Torinelli)
Quando o assunto é produção, a comunidade se destaca pelo cultivo coletivo e pela utilização da agroecologia. A cooperativa Terra Livre, criada pelo assentamento, organiza e escoa a produção de 210 sócios – agricultores da própria comunidade e também de Campo Largo, Lapa, Antônio Olinto, São Mateus do Sul, Palmeira, Teixeira Soares e Antonina. Toda semana são entregues 12 toneladas de verduras, frutas e legumes agroecológicos em 104 escolas, para a merenda escolar.
Antes de servir como território de vida e moradia para mais de 530 pessoas, a área estava improdutiva e acumulava dívidas com a União. As terras foram desapropriadas e destinadas à reforma agrária em 1999, após terem sido ocupadas por famílias integrantes do MST.
Dos 3.100 hectares da área, 1.240 são de áreas de proteção ambiental – como reserva legal ou preservação permanente. Todo o território integra os limites da Área de Proteção Ambiental da Escarpa Devoniana.
Nei Orzekovski cultiva hortaliças, legumes e frutas agroecológicas em seu lote (Foto: Leandro Taques/Porém.net)
“A prova de que a reforma agrária dá certo é que as pessoas estão bem. Não tem ninguém analfabeto, ninguém desnutrido, com fome. Todo mundo tem uma casa pra morar. Nunca teve um homicídio no assentamento. É só ter as oportunidades e vestir a camisa”, garante Nei Orzekovski.
:: Você é estudante de engenharia e se interessou pelo projeto?
Entre em contato conosco! Escreva para m.me/SengeJovemPR
Texto: Ednubia Ghisi, jornalista do Senge/PR