Saúde, biodiversidade e cofre público do Paraná podem ganhar com o fim da isenção fiscal dos agrotóxicos

Nesta quarta-feira (19) o STF julga a inconstitucionalidade do benefício fiscal que o país concede aos agrotóxicos

Foto: Jaelson Lucas / AEN
Imprensa
17.FEV.2020

Por Naiara Bittencourt*

As contas públicas, a biodiversidade e a saúde da população paranaense podem ser beneficiadas com o reconhecimento da inconstitucionalidade da isenção fiscal dos agrotóxicos pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Nesta quarta-feira (19) a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5553, ajuizada em 2016, será julgada pelos ministros.

A questiona as cláusulas 1ª e 3ª do Convênio nº 100/97 do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) e o Decreto 7.660/2011. Esses dispositivos concedem benefícios fiscais aos agrotóxicos, com redução de 60% da base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), além da isenção total do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de determinados tipos de agrotóxicos. Veja-se, a ADI não questiona o uso de agrotóxicos, mas tão somente os benefícios tributários que tais produtos têm no país.

O ICMS, regulado pela Lei Kandir (Lei Complementar n. 87/1996), é de competência e arrecadação dos estados e Distrito Federal. Contudo, para evitar as chamadas “guerras fiscais” entre os estados da federação, as isenções e benefícios fiscais devem ser aprovadas pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). Desde 1997 o CONFAZ renova o convênio e autoriza os benefícios, que na prática são verdadeiros subsídios ao mercado de agrotóxicos.

Arrecadação menor
Com 78% do território paranaense ocupado por atividades relacionadas à pecuária e agricultura, o Paraná varia entre o segundo e o terceiro maior consumidor de agrotóxicos do Brasil, atrás apenas de Mato Grosso e em disputa com São Paulo. Com um alto mercado de agrotóxicos, a renúncia fiscal do estado do Paraná em relação ao ICMS é proporcional. Estudo publicado por pesquisadores da ABRASCO na semana passada, indicam que a renúncia anual no Brasil de arrecadação em relação ao ICMS é de R$ 6.222,64 bilhões. O Paraná, como um dos maiores consumidores de agrotóxicos, teria uma boa parcela desse montante.

Intoxicação
O estado também responde pelo título de maior número de casos de intoxicação por agrotóxicos. Entre 2012 a 2016 foram registrados 4.190 casos de intoxicação por agrotóxicos. Em 2017, 419 pessoas foram intoxicadas e 11 faleceram. Há que considerar ainda um cenário de subnotificação e o aumento exponencial no uso de agrotóxicos no último quadriênio.

Vale lembrar que em 326 dos 399 municípios paranaenses foi detectado um coquetel de 27 tipos de agrotóxicos em nossas águas (somente 27 ingredientes ativos são monitorados, dos mais de 500 IA liberados no Brasil), segundo dados do SISAGUA. Desses 27, 16 são considerados altamente tóxicos pela ANVISA.

A ausência de políticas de desincentivo e redução do uso de agrotóxicos e de estímulo à produção de base orgânica ou agroecológica, somado à dificuldade de controle na circulação dos agroquímicos, respondem, em parte, pelo alto consumo anual de agrotóxicos pelos paranaenses.

Embora o estado tenha uma legislação própria sobre agrotóxicos (Lei n. 7827/1983), ainda há uma lacuna de legislações voltada à redução dessas substâncias, por isso tramita na Assembleia Legislativa uma proposta de Política Estadual de Redução de Agrotóxicos (PL 661/2019).

O secretário de estado da Saúde, Antônio Carlos Nardi, participa do evento,Saúde da população expostas aos agrotóxicos. Foto: Venilton Küchler

E os custos externos ou indiretos aos cofres públicos?
Estima-se que somente em tratamentos de saúde decorrentes de contaminação por agroquímicos o estado do Paraná gasta US$ 1,28 para cada US$ 1 utilizado na compra de agrotóxicos, conforme pesquisa elaborada pelo Wagner Soares e Marcelo Firpo de Souza. Nesta conta não estão os danos para reparação ambiental, a perda da biodiversidade nacional (como é o caso do extermínio de insetos polinizadores, por exemplo) e nem o prejuízo privado de inúmeros agricultores que têm suas plantações ou cultivos contaminados com venenos agrícolas disseminados pelo ar, pelo solo e pela água.

Isto é, as isenções favorecem especialmente determinadas parcelas de grupos econômicos e produtivos do país e do exterior, especialmente as indústrias dos agrotóxicos, em sua maioria transnacionais, e aos setores do agronegócio extensivo das culturas que mais aplicam agrotóxicos (soja, milho, cana-de açúcar e algodão).

Em oposição, a medida confere altíssimo custo à população brasileira de forma geral, ao patrimônio e ao erário público do país e do Paraná, por meio desses custos indiretos causados por tais produtos.

É um verdadeiro deslocamento de recursos públicos aos setores privados, de forma obscura e implícita. É a privatização do lucro e a socialização do dano.

Pequenas e médias propriedades de até 200 hectares que ainda utilizam agrotóxicos afirmam gastar de 1% a 6% do custo de produção com esses insumos, já propriedades com mais de 500 hectares autodeclaram gastar 60% dos custos de produção com agrotóxicos. Nesse sentido a ação também busca efetivar o princípio da capacidade contributiva e justiça social tributária – quem pode mais, paga mais.

Alimentos essenciais para a vida da população brasileira é que devem ter benefícios fiscais. Não os agrotóxicos. A agricultura orgânica e agroecológica cresceu 300% no país. O Paraná também tem mostrado que é possível produzir sem veneno em larga escala, sendo também o estado que mais tem propriedades orgânicas certificadas, totalizando cerca de 7.000 produtores rurais. Mas é preciso incentivo e políticas públicas. Enquanto o estado incentivar financeiramente produtos nocivos, a transição agroecológica fica ainda mais distante.

Foto: Leandro Taques

Participação Popular

Para colaborar na argumentação técnica e jurídica sobre impactos sociais e econômicos da isenção fiscal, organizações da sociedade civil e redes de atuação de um expecto diverso dos direitos humanos participam do julgamento da ação, na condição de Amici Curiae, corroborando os argumentos dos autores. Ao todo sete participações da sociedade civil foram admitidas pela Corte do STF, de autoria da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Terra de Direitos, Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Associação Brasileira de Agroecologia (ABA) e Fian-Brasil.

* Naiara A. Bittencourt é advogada Popular da Terra de Direitos, eixo Biodiversidade e Soberania Alimentar. Mestra e Doutoranda em Direitos Humanos e Democracia pela Universidade Federal do Paraná.

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