Por Manoel Ramires/Senge-PR
Estão vendendo para a população – assim como fizeram na reformas trabalhistas e da previdência – que a Reforma Administrativa trará a solução para os problemas fiscais dos estados, municípios e da União. Só que essa versão não mostra que a PEC 32/2020 acentua a desigualdade e mantém os benefícios dos privilegiados. Assim como a população, a maioria do funcionalismo público – aquele que atende na ponta – será afetada pelas medidas enquanto que o judiciários e a elite dos servidores pouco será impactada.
É o que mostram o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP), que produziu um quadro comparativo sobre o texto. Na avaliação do consultor legislativo, Luiz Alberto dos Santos, a PEC 32/2020 possui gravíssimas falhas conceituais e a sua precária elaboração gera incapacidade de conduzir a um resultado positivo, levando ao desmonte do regime jurídico único e das possibilidades de um serviço público profissionalizado e protegido. “Salta aos olhos a ausência de bom senso nessa análise mercadológico-midiática, fortalecida por “estudos” de think tanks neoliberais”, critica.
Para Luiz Alberto, a tese de que é preciso reduzir custos e eliminar privilégios não se sustenta quando se compara com a obra “Gestão de Pessoas e Folha de Pagamentos no Setor Público Brasileiro, O que os dados dizem, ao analisar dados sobre a folha de pagamentos do Governo Federal e de seis Governos Estaduais, aponta para existência de uma série de distorções nos gastos com pessoal, e. ainda, que “os servidores públicos federais brasileiros são particularmente bem qualificados e remunerados” e “regidos por um sistema de gestão de pessoas engessado demais que carece de planejamento estratégico, não permite que os melhores funcionários se destaquem pelo desempenho, cria desigualdades entre as mais de 300 carreiras, e impacta negativamente a motivação dos servidores com desafios limitados”, avalia o estudo.
Já o estudo, “O ciclo laboral no setor público brasileiro”, também do DIAP, avalia o recrutamento e a seleção, a capacitação e a alocação de servidores, passando por remuneração, desenvolvimento na carreira (progressão/promoção), avaliação e estabilidade até a aposentadoria dos servidores públicos. Para os autores, ao abordar a estabilidade que é jogada fora com a PEC, “não pode ser admissível, ou aceitável, que o servidor público se torne a cobaia de experimentos privatistas, ou que seja despido de quaisquer capacidades ou prerrogativas para exercer a sua função, em um ambiente altamente politizado, sujeito a orientações muitas vezes confusas ou conflitantes”.
Pelo menos é o que aponta o objetivo do governo quando pretende substituir as carreiras estruturadas com base em atribuições, promoção classe a classe dentro da mesma carreira por “modelos mais amplos de carreiras, facilitando mobilidade entre elas e mecanismos de promoção interna mais flexíveis. Redução radical do número de carreiras existentes”.
Para Luiz Alberto dos Santos, Doutor em Ciências Sociais, e Antônio Augosto de Queiroz, mestrando em Políticas Públicas e Governo na FGV, “reformar e modernizar o Estado e o servidor público, portanto, como tarefa permanente dos gestores públicos, requer mais do que fórmulas matemáticas, mas clareza de propósitos e honestidade de objetivos”.
Faltam servidores públicos enquanto aumenta a demanda do povo
O DIEESE também observou perda de direitos dos atuais servidores. O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos destaca que os ataques ao funcionalismo já ocorrem desde o governo de Michel Temer e que a bola da vez é o regime jurídico único. “O debate público, diante da anêmica economia do país, tem sido pautado pelo interesse do “mercado” e da grande mídia, que condenam os gastos públicos e depreciam a atuação dos servidores, propondo uma agenda de “Estado Mínimo” como solução para os problemas brasileiros”, recorda.
Só que, ao contrário do que a mídia e o governo dizem, o problema da máquina pública não está na base dos servidores. O número de servidores públicos em relação à população brasileira está abaixo do verificado em muitos países desenvolvidos. “Em relação aos rendimentos, a maior parte dos funcionários públicos (57%) tem rendimentos concentrados na faixa de até 4 salários mínimos, ou seja, de R$ 3.816,00 (dados de 2018). No serviço público municipal, o percentual dos que auferem este rendimento corresponde a 73%, faixa na qual estão concentrados 56% dos servidores estatutários do Brasil (RAIS, 2018)”, mapeia o DIEESE.
Para o Departamento, diante da crise econômica, o que está em jogo é quem pagará pelos seus custos: o povo e o funcionalismo ou os ricos e a taxação das grandes fortunas. “As reformas representam a disputa pelos recursos públicos e reduzem o caráter redistributivo do Estado. O objetivo é diminuir o tamanho do Estado, não para que ele seja mais ágil, mas para que o setor privado lucre com as atividades que antes eram públicas”, esclarece.
Governo não ataca o problema de arrecadação e gastos
Ao invés de atacar a base do funcionalismo, o governo deve desenvolver políticas voltadas para o crescimento econômico com inclusão social, medidas de controle de gastos para as despesas nominais das contas públicas, promovendo maior controle dos dispêndios financeiros, especialmente dos juros da dívida. Deve também fazer a auditoria da dívida pública e o combate efetivo à sonegação, além da reforma tributária com progressividade, com maior tributação sobre a renda e o patrimônio, tributação sobre grandes fortunas, redução dos impostos sobre o consumo, observando a capacidade contributiva.
O governo ainda pode arrecadar mais com a revisão das isenções fiscais e o cumprimento efetivo do teto constitucional para salários dos servidores públicos (promotores, juízes e magistrados). O governo ainda pode garantir recursos do pré-sal para ampliar investimentos em saúde, educação e infraestrutura, regulamentação o artigo 165 da Constituição Federal de 1988, estabelecendo um ordenamento das prioridades na construção e execução orçamentária e promover o controle social e da transparência de informações do gasto público.
Governo quer trocar estabilidade por apoiadores
O Fórum das Entidades Sindicais (FES) iniciou uma série de transmissões ao vivo pelas redes sociais para analisar a PEC 32/2020 proposta pelo governo Bolsonaro. Na avaliação do advogado especialista em previdência, Ludimar Rafanhim, a medida faz parte do desmonte do estado brasileiro. Ele citou outras emendas adotadas desde 1988 que vem privatizando ou desestruturando o setor público. Ele observou que a reforma tornam tanto o concurso público quanto a estabilidade uma exceção, abrindo a porta para que profissionais sofram assédio moral ou sejam substituídos por “cabos eleitorais”. “A PEC fala em emprego público do que cargo público. Isso é adotar o CLT, retirando a estabilidade e outras garantias. Eles só querem manter a estabilidade das carreiras típicas por lei complementar”, alerta. Ou seja magistrados, membros do MP, do Tribunal de Contas, da segurança pública e militares.
Por outro lado, para o economista Cid Cordeiro, quando se fala em reforma administrativa, é preciso observar o viés ideológico de um estado mínimo, “que implica a prestação de menos serviços à população pelo setor público e transferir esses serviços para o setor privado”. O outro ponto trata das finanças do Estado.
“O governo quer sair da crise pela redução da despesa. Em nenhum momento ele trata da receita. Inclusive por isso a questão do teto de gastos. Cortou primeiro na previdência e já tinha anunciado que o segundo ponto de despesa seria atacado, que é a folha com pessoal. A questão é que o governo encontra a solução na retirada de direitos dos servidores e dos cidadãos enquanto ele não trabalha com a perspectiva de aumentar a receita taxando as grandes fortunas e reduzindo os incentivos e renúncias fiscais das grandes empresas”, compara.
ASSISTA
Reforma Administrativa: Palestra com economista Cid Cordeiro e advogado Ludimar Rafanhim
LEIA
DIEESE: Reforma Administrativa do Governo Bolsonaro
DIAP: PEC 32/2020: Análise da Reforma AdministrativaDIAP: Reforma Administrativa: o ciclo laboral no setor público. Seleção, capacitação e progressão