Uma área de formação geológica de proteção ambiental equivalente a 266 mil campos de futebol no Paraná está em risco de ser extinta. Tal espaço equivale a 70% da Escarpa Devoniana, e está sob risco de ter seu valor ambiental desconsiderado se aprovado projeto de lei (PL) que tramita na assembleia paranaense.
De autoria dos deputados Ademar Traiano (PSDB), Plauto Miró (DEM) e Luiz Claudio Romanelli (PSB), o projeto que abre a área à exploração agropecuária e especulativa tem o apoio do governo estadual. Divulgada na imprensa, o estudo que dá base ao projeto, realizado pela Fundação ABC, tem anotação de responsabilidade técnica (ART) no Crea com órgão governamental como contratante.
Condenado pelo Ministério Público (MP) e por diversas entidades, como o Senge, o projeto representa um retrocesso ambiental e econômico para o estado. Em detrimento ao patrimônio ambiental, a medida beneficiará exclusivamente iniciativa privada com abertura de exploração mineral, hidráulica e energética na região.
Para o engenheiro agrônomo e doutor em manejo dos recursos naturais, Carlos Hugo Rocha, o projeto é insustentável e não tem validade científica. Segundo o pesquisador e professor da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), a contratação da Fundação ABC é uma tentativa de “validar o invalidável”. “A proposta não se sustenta. Deveria ser baseada em parâmetros básicos que não foram levados em consideração, que em nenhum momento aparece no projeto. A proposta é ridícula, não tem nenhuma sustentação científica que justifique a redução de um dos ecossistemas mais importantes e o maior do sul do país”, critica Rocha.
“A proposta não se sustenta. Deveria ser baseada em parâmetros básicos que não foram levados em consideração, que em nenhum momento aparece no projeto”
Doutor em manejo dos recursos naturais, pesquisador e professor da UEPG, Carlos Hugo Rocha
A proposta dos deputados busca justificar a medida apontando que dos 392 mil hectares da APA atual, 237 mil são de área de agricultura, pecuária e reflorestamento. O projeto tenta passar a ideia de que a demarcação de sobrepõe à ocupação. Contudo, a área de mata nativa na década de 1990 era maior. Dos 3,9 quilômetros, dois terços eram de sistemas remanescentes, e apenas o restante incluía áreas agrícolas e de reflorestamento. A inversão do espaço veio depois, com a exploração da região.
“Desde o início da ocupação até o final dos anos 1960, o espaço serviu para criação extensiva de animais. É quando temos a agricultura com insumos, agrotóxicos e tecnologias de produção que tais áreas que antes não tinham potencial agrícola começam a ser exploradas. Com isso, os 20 mil km² originais são drasticamente reduzidos a 3,9 mil km² em 1992. Dessa área, 1/3 incluía espaços agrícolas e de reflorestamento. Agora em 2017, temos a inversão de valores em termos de uso. Hoje é apenas 1/3 de área conservada”.
Parte dessa medida, segundo o pesquisador, se dá pela falta de uma política efetiva do estado em gerir a área da APA de forma efetiva. Para Rocha, é sem esse monitoramento e fiscalização, paulatinamente a área vai sendo transformada. “O estado foi totalmente incompetente para fazer estabelecer a APA verdadeiramente com política pública. Se tivesse feito isso em 1992 teríamos uma configuração diferente. Apenas em 2005 foi instituído o Plano de Manejo, com as diferentes zonas de manejo, com atividade permissíveis e outras proibidas. De qualquer forma, dessa inversão da área desde a instituição da área de preservação, uma razoável parcela foi transformada a partir de 2005. Portanto se configura em modificação ilegal, pois já tínhamos um zoneamento, e não poderia ter novas plantações de Pínus, por exemplo, ou áreas agrícolas. E à provável que essa seja uma das motivações veladas, afinal de contas esses 130 mil hectares equivale a 65% de Ponta Grossa. Estão transformando um dos ecossistemas mais importantes para o Brasil e para o Mundo”.
Com tal ilegalidade na ocupação, recente e posterior ao plano de manejo, ao contrário do que busca justificar o projeto, a medida seria buscar a reversão da área, e não reduzir o espaço da APA. No entanto, o que os deputados, juntamente com o governo, propõe é abrir mão da responsabilidade de conservar a área. Há uma confluência de interesses que passa pela falta de investimento e desestruturação de instituições de fiscalização ambiental, como o Instituto Ambiental do Paraná (IAP), ao mesmo tempo em que reduzir a APA retira da responsabilidade do governo em gerir o espaço.
“Reforço, não há sustentação científica que justifique a redução. Não há parâmetros na proposta que leva em consideração a biodiversidade, por exemplo. Simplesmente levaram em consideração o uso das terras atuais, que foram mudadas ilegalmente, e os interesses particulares”, critica o pesquisador.
Curta-metragem aponta as ilegalidades do PL que reduz a escarpa
Produzido pelo Observatório de Justiça e Conservação (OJC), o curta-metragem “Os Últimos Campos Gerais” torna públicas as sérias irregularidades, ilegalidades e incoerências relacionadas ao Projeto de Lei 527/2016, que prevê a redução de 70% da Área de Proteção Ambiental (APA) da Escarpa Devoniana, a maior unidade de conservação do Sul do Brasil.
Um tesouro que não pode ser pilhado
A área de proteção ambiental da Escarpa Devoniana é uma das cinco maiores unidades de conservação situadas no bioma da mata atlântica com parte abrangendo também o bioma serrado. A região foi criada em 1992, por meio de decreto, com o objetivo de proteger a diversidade biológica e geológica da região que abriga remanescentes de vegetação nativa.
“Essa ecorregião é constituída exatamente nesta transição de serrado com mata atlântica e inclui elementos diversos, como áreas de floresta de araucárias, de campos nativos, ambientes de serrado e ainda compreende os ecótonos entre essas áreas. Isso faz com que a área seja uma das mais ricas em biodiversidade”.
Além disso, destaca-se a APA pela definição de regiões como alguns parques e outras unidades de conservação mais restritas, como o Parque de Vila Velha, do Guartelá, do Cerrado e da Gruta do Monge, com imensos potenciais turísticos e inseridos no perímetro da escarpa.
Em ofício aos deputados Senge defenda manutenção da escarpa
Contra o ataque ao patrimônio ambiental dos paranaenses, o Senge-PR enviou ofício aos parlamentares pedindo rejeição ao projeto de lei. No documento o Sindicato critica a clara influência das forças políticas e econômicas, interessadas principalmente na exploração mineral, de energia eólica e hidráulica na aprovação do projeto. “Não aceitaremos a negociação desse patrimônio natural em nome de interesses privados”, defende a entidade e no documento direcionado aos parlamentares.
Ao destacar o posicionamento da entidade em defesa da Escarpa Devoniana, o Senge, no ofício, solicita aos deputados que assumam o mesmo compromisso com a proteção ambiental do Paraná, e acentua que “diante de inúmeras ameaças ao meio ambiente, a atuação dos representantes da população deve ser em garantir o interesse público e de todos em primeiro lugar, em nome das gerais atuais e futuras”.
Texto: Alexsandro Ribeiro, jornalista do Senge/PR
Este conteúdo faz parte da 8ª edição do Jornal do Engenheiro.