As cidades brasileiras não estão estruturadas para o uso em massa de veículos motorizados individuais. A solução para a crise de mobilidade, que assola as maiores metrópoles brasileiras, é um forte investimento no transporte público, inclusive, sendo subsidiado pelo usuário de carro e moto. Essas foram as principais conclusões dos especialistas, que debateram o tema “Atual conjuntura da mobilidade urbana”, neste sábado (30), no auditório do Senge-PR, em Curitiba.
O evento, promovido pelo Sindicato e pela Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros (Fisenge), contou com palestras dos engenheiros civis Valter Fanini, diretor financeiro do Senge-PR e ex-coordenador das áreas de transporte e sistema viário da Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba, José Carlos Xavier, ex-secretário de transporte e mobilidade urbana do Ministério das Cidades e Rômulo Dante Orrico, professor de pós-graduação em Engenharia de transporte da COPPE da Universidade do Rio de Janeiro e Subsecretário de Transportes da cidade do Rio de Janeiro.
Segundo o presidente do Senge-PR, Ulisses Kaniak, a mobilidade urbana é um dos temas mais candentes não apenas em Curitiba, mas em todo o Brasil, haja vista as grandes manifestações deste ano, conhecidas como Jornadas de Junho, que se deram em torno, dentre outros temas, da necessidade de maior qualidade do transporte público.
“O transporte público está na vida de toda a sociedade, no dia a dia do trabalhador, que inicia e encerra sua jornada por meio do transporte, e deve sempre ser tratado como prioridade e foco de preocupação dos governos. Porém, não é o que acontece. O transporte público acaba sendo relegado à administração privada, com licitações e contratos sem fiscalização e o usuário sendo onerado por todos os investimentos no setor”, critica Kaniak.
O debate encerra a reunião da última reunião Conselho Deliberativo da Fisenge do ano, realizada na sede do Senge-PR, nos dias 29 e 30 de novembro, para debater questões estatutárias da Federação, além da campanha de valorização profissional pelo Dia do Engenheiro.
Crise de mobilidade em Curitiba é histórica, afirma Fanini
Abrindo os debates sobre a questão da mobilidade, o diretor do Senge-PR, Valter Fanini, afirmou que a crise de mobilidade na capital paranaense é histórica. “Curitiba é uma somatória de parcelamento de terras, que foram realizados sem planejamento de vias. Sem essa estrutura, entre as décadas de 40 e 60, quem morava nos bairros mais afastados tinha que enfrentar caminhadas de 5 o mais quilômetros até chegar às vias em que tinha transporte coletivos. Isso não era crise de mobilidade?”, questiona Fanini.
Para Fanini, houve uma mudança nos aspectos que envolvem a crise, que, se de início atingia apenas as classes menos abastadas, passa agora a ser um problema generalizado, resultado de um esgotamento da capacidade viária urbana em todas as cidades. “Uma maior transferência de renda e aquecimento econômico possibilita uma crescente demanda por mobilidade, uma vez que as pessoas são mais empregadas, acabam tendo o acesso ao consumo maior, ao direito do lazer, precisando assim se deslocarem mais. Acontece que o espaço viário não suporta o crescimento massivo de carros e motos, pois foi projetado para que apenas 20% da população usassem veículos motorizados individuais”.
O transporte público de qualidade, de acordo com o diretor do Senge-PR, é a principal solução para a crise de mobilidade atual, sendo que, quem opta pelo transporte individual motorizado deve subsidiar aqueles que utilizam os meios públicos. “O automóvel deverá ser condicionado, e o seu uso limitado por uma série de condicionantes que o poder público deve criar. Portanto, temos que usar o transporte público, pois o individual é um privilégio, e quem for usar ele deve pagar para os que usam o público”, sugere Fanini.
Na contramão da lógica, o usuário do transporte público é quem arca com os investimentos da rede
Dando continuidade aos debate, o ex-secretário de transporte e mobilidade do Ministério das Cidades, José Carlos Xavier, critica o modelo tarifário que onera o usuário com os investimentos no transporte. “A tarifa, quando você contrapõe o que as pessoas gastam para se deslocar no carro ou moto é pequena. Mas a injustiça não está apenas no valor, mas sim no fato de que a pessoa que usa o transporte coletivo tem que arcar com todo o custo, e as vezes com os investimentos”.
De acordo com Xavier, em algumas cidades, há a previsão da Outorga Onerosa nas licitações do transporte, que, via de regra, é a transferência dos investimentos do transporte para os usuários, que são chamados à arcar com custos das melhorias do sistema, o que não ocorre com os usuários dos transporte individuais. “O usuário do automóvel não é chamado diretamente para pagar o investimento do viaduto, ou da via. Mas o do transporte público é. Isso está errado”.
A priorização do transporte coletivo, em detrimento ao individual, deveria ser a realidade no país, segundo Xavier, o que na prática não acontece, ocorrendo sim, investimentos em aumento de espaços para o automóvel, redução de impostos para compras, como o Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI). “A conta não vai fechar se continuarmos financiando o viário para o automóvel. Temos que priorizar o transporte público, e fazer com que as cidades incorporem aos planos largos investimentos”.
Debater a qualidade do transporte, não apenas a tarifa
Encerrando o debate, o professor de pós-graduação em Engenharia de transporte da COPPE da Universidade do Rio de Janeiro e Subsecretário de Transportes da cidade do Rio de Janeiro, Rômulo Dante Orrico, afirma que as camadas mais pobres são as mais penalizadas com o transporte público hoje.
As camadas mais pobres, segundo Orrico, optam muitas vezes por fazer o trajeto a pé ou de bicicleta não só por causa do preço da tarifa, que é alto e está acima do seu poder aquisitivo, mas também porque a jornada no transporte é excessiva. “Posso pagar mais barata a passagem, mas não ajuda, se isso acarreta em mais horas de viagens. Portanto, não é só a questão da tarifa, mas sim da qualidade do transporte como um todo”.
Usando dados do Rio de Janeiro, Orrico aponta que as camadas mais ricas fazem 96,5% das viagens em transporte motorizado, enquanto que as camadas mais pobres realizam seus trajetos seguindo 52,6% das viagens em transporte não motorizado (a pé ou de bicicleta) e 46 % em transporte coletivo. A opção das camadas mais pobres ao transporte não motorizado, no entanto, está vinculada ou ao valor da tarifa, que é superior a capacidade de pagamento, ou à falta de qualidade no transporte.
De acordo com Orrico, para fazer com que o percentual de pessoas das camadas mais pobres usem o transporte coletivo, de forma a promover um crescimento social, tem que haver diminuição dos custos para os usuários e redução do tempo de viagem.
“Melhorar o sistema de transporte de forma a otimizar o tempo dos usuários, acarreta em ampliação da perspectiva de possibilidade de trabalho para o indivíduo, que poderá buscar melhores empregos, além de aumentar a possibilidade de consumo e de lazer do usuário do transporte, que não ficará preso ao espaço da vizinhança. Portanto, temos que propiciar aos mais pobres uma melhor e mais adequada mobilidade, para ampliar a mobilidade e opções de escolha, promovendo um desenvolvimento social”, sugere Orrico.