Por Manoel Ramires/Senge-PR*
Diferente de muitos outros setores como varejo e comércio, a construção civil seguiu seu ritmo durante a pandemia de coronavírus. Muito em decorrência de decisões políticas que mantiveram o setor como serviço essencial. No começo de março, diante das medidas de isolamento social, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) editou decreto definindo a construção como um desses serviços. A medida era uma das maneiras encontradas pelo chefe do Executivo para furar a quarentena e manter a economia ativa, segundo ele. Mas não foi apenas o presidente que apresentou esse entendimento. Em Curitiba, o prefeito Rafael Greca (DEM) manteve a construção, assim como transporte coletivo e supermercados, entre os serviços essenciais. O mesmo aconteceu com o governador do estado, Ratinho Junior (PSD), que em abril colocou o setor no rol de serviços essenciais.
Essas decisões mantiveram estáveis a construção civil diante da pandemia. De acordo com o Índice Nacional da Construção Civil (Sinapi), divulgado pelo IBGE, os “custos da construção desaceleram em maio com menor pressão da mão de obra”. O mesmo processo se repetiu em junho. Ou seja, os trabalhadores estão pagando a conta.
“Os acumulados nos 12 meses para a parcela da mão de obra caíram de 3,51% em maio para 3,37% em junho. Já os custos acumulados dos 12 meses de materiais caíram de 3,89% em maio para 3,60% em junho de 2020”, assinala Augusto Oliveira, gerente da pesquisa Sinapi.
Por outro lado, para o estudo do DIEESE, “A Construção Civil e os Trabalhadores: panorama dos anos recentes”, as medidas do Governo Federal prejudicaram os trabalhadores e beneficiaram empresários, principalmente com as edições das MP 927 e 936.
“Durante a vigência do estado de calamidade pública, os empregadores passam a dispor de um conjunto de vantagens em relação à legislação trabalhista podendo, inclusive, alterar os contratos de trabalho unilateralmente ou mediante acordos individuais”, retoma o estudo. Aliado a isso, houve a possibilidade de suspensão do contrato de trabalho e a redução salarial.
Dados do Ministério da Economia em relação aos pedidos de seguro de desemprego mostram que a queda da atividade em maio de 2019 e 2020 colocam a construção entre os setores em que o benefício foi mais requerido. Dos 627 mil pedidos feitos naquele mês no ano passado, 60 mil foram no setor. Já em abril e maio deste ano, em meio a pandemia, os pedidos saltaram para 1,7 milhão no bimestre, sendo 132,6 mil na construção. O pior setor ficou com serviços, com 714,8 mil pedidos de seguro-desemprego.
Trabalhadores ficaram desprotegidos em convenções coletivas
Outro dado que chama atenção é a falta de regras de proteção ao coronavírus nas convenções de trabalho. De 12 Convenções Coletivas celebradas no período da pandemia, apenas a do Pará estabelece duas cláusulas reproduzindo “as orientações da OMS em relação às medidas de isolamento social e prevenção à covid-19, especialmente em ambientes com grande aglomeração de pessoas, como os alojamentos dos trabalhadores”.
No Brasil, desde o começo das medidas de isolamento social, a quantidade de brasileiros ocupados e afastados do trabalho presencial caiu pela metade. Na primeira semana de maio, esse número era de 19,8 milhões de trabalhadores. No começo de julho, com o surto passando dos 2 milhões de contaminados totais, a quantidade de trabalhadores ocupados afastados é de apenas 10,1 milhões, o que representa 10% da população.
O futuro próximo não é otimista para o emprego no país e na construção civil, ainda mais sem a sinalização da retomada do investimento público e privado. “O cenário é de grande incerteza, agravada pela conduta ambígua dos governos federal e estaduais em relação à pandemia do coronavírus”, conclui o estudo.