Por Manoel Ramires/Senge-PR*
Economia bombando, brasileiros adquirindo casa própria, governos e iniciativa privada investindo em infraestrutura. Esse cenário ficou lá traz, em 2013. Época em que o setor da engenharia conseguiu um total de 7,96 milhões de ocupados na Construção Civil. Desse total, 5,7 milhões estavam na construção de edifícios, sendo seguidos por 1,9 milhão em serviços especializados para a construção e 294 mil em infraestrutura. De lá para cá, o setor perdeu 1,57 milhão de empregos. E a queda só não foi pior porque a quantidade de ocupados em obras de infraestrutura subiu nos últimos anos: de 294 mil postos de trabalho em 2013 para 425 mil em 2020, mas já apresentando recuo (veja gráfico abaixo).
O estudo “A Construção Civil e os Trabalhadores: panorama dos anos recentes”, promovido pelo DIEESE, mostra que a queda de participação da engenharia como um setor estratégico de desenvolvimento do país, como vimos na reportagem “Construção civil vive crise pós Copa do Mundo”, levou também empregos e direitos.
Em 2013, por exemplo, a participação da construção de edifícios era de 76,7% de tudo que era construído na engenharia civil. Naquele ano, os financiamentos imobiliários batiam recordes, chegando a R$ 134,9 bilhões. No Brasil havia menos desemprego e mais renda, alimentando o sonho da casa própria. A CAIXA encerrou o ano com 3 milhões e 240 mil unidades contratadas.
Informalidade é a regra na construção
Por outro lado, a queda dos negócios não só levou ao desemprego como ao aumento da informalidade no período mais recente. Os trabalhadores por conta-própria sem contribuição para a Previdência correspondiam a 41,9% do total de ocupados em 2019. Somados aos 19,9% de empregados no setor privado sem carteira de trabalho assinada, representam 61,8% dos ocupados do setor. Os empregados formais no setor privado (com carteira de trabalho assinada) eram 22,2% do total de ocupados, os trabalhadores por conta-própria contribuintes para a Previdência eram 10,5%.
Esses números revelam que a informalidade era a regra na contratação na construção de edifícios (751 mil formais contra 1,1 milhão de informais em 2019) e de serviços especializados em construção. A tendência só não se repetia em obras de infraestrutura, de acordo com o DIEESE, porque os contratos de obras públicas leva à maior exigência de formalização dos vínculos de trabalho.
Segundo o engenheiro Civil, diretor do Senge-PR e assessor de Gestão de Políticas Públicas junto ao CREA-PR, Samir Jorge, no setor privado ocorre informalidade principalmente nos pequenos e médios empreendimentos, que do ponto de vista de volume é o maior, se verificar a quantidade de projetos que tramitam para aprovação em qualquer município. Ocorre preponderantemente na Construção Civil.
“O combate a esta situação é executado via fiscalização específica de um grupo criado dentro do CREA, em parceria com o Sinduscon-Pr. Quando fiscalizada a situação o proprietário é notificado a regularizar a situação. Nestes casos abre-se um procedimento administrativo dentro do CREA que pode gerar multa ao proprietário”, esclarece o especialista.
Perdas trabalhistas em rotatividade de empregos
O cenário de informalidade, o recuo do setor e a fragilização das entidades sindicais também influenciaram na perda de renda e direitos dos trabalhadores. Em uma categoria formada por 90,1% de homens e 9,9% de mulheres, com 47,3% dos trabalhadores apenas com ensino médio completo, 50,8% dos vínculos de trabalho não chegam há um ano.
Essa rotatividade também impactou nas greves mais recentes. “Em 2019, no período de janeiro a maio, foram registradas 17 greves na Construção no país. No mesmo período deste ano de 2020, foram apenas nove paralisações, uma redução de 47,1%, praticamente a metade”, observa o DIEESE. O estudo mostra que a Construção Pesada foi responsável 68,2% do total das horas paradas e, no mesmo período de 2020, o segmento com maior participação foi o da Construção Civil (38,5%), superando o verificado nos segmentos de Montagem Industrial e da Construção Pesada.
As paralisações foram defensivas, para denunciar a perda de direitos como atrasos salariais e para garantir cláusulas vigentes. Na avaliação do presidente do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Paraná (Senge-PR), Leandro Grassmann, o país vive um perigoso processo proposital de enfraquecimento das entidades representativas, as relações de trabalho estão precarizadas, o que influencia no aumento na informalidade e no desemprego. Para ele, com menos recursos para obras, é natural que a pressão recaia sobre os trabalhadores, que acabam por aceitar condições piores de remuneração e jornada.
“A necessidade fala mais alto. Afinal, quem faria greve ou reclamaria numa condição em que faltam empregos? Junte-se a isso a falta de recursos para os sindicatos e a própria falta de interesse de muitos trabalhadores em fortalecer as Entidades Sindicais e o cenário acaba mais desfavorável ainda para quem depende da venda de mão de obra para subsistir”, pontua Grassmann.
O momento não é de otimismo, uma vez que a pandemia trouxe recessão econômica e o Governo Federal não sinaliza com a retomada em obras de infraestrutura ou de crédito para a construção. Segundo o IBGE, em junho deste ano, 21 milhões de brasileiros tiveram queda de renda domiciliar per capita média.
“Com a nova crise econômica, a partir da pandemia provocada pelo coronavírus (Covid-19), e também do esvaziamento do papel do Estado como indutor de investimentos, especialmente no setor da Construção Civil, o cenário deve se agravar em 2020”, conclui o estudo do DIEESE.
*Série de reportagens – DUAS DÉCADAS de engenharia civil, economia e dinheiro público: O Brasil das grandes obras à pandemia de Covid-19