NOTA TÉCNICA CRITICA RENÚNCIA DE TRECHOS DA FERROESTE

Trechos em discussão são de interesse da União e sociedade

Ferroeste em Guarapuava - Guarapuava, 04/04/2019 - Foto: Jaelson Lucas/ANPr
Comunicação
20.AGO.2024

Uma nota técnica produzida pelos “Amigos da Ferroeste” questiona a urgência do Governo do Paraná, por meio da Mensagem 50/2024, de privatizar a Ferroeste. Em texto produzido para subsidiar o debate dos deputados paranaenses, é feito um resgate da construção da ferrovia, questões legais envolvendo a ANTT, outros marcos legais, interesses econômicos e estratégicos do estado e da União. A nota técnica, que trata dos trechos Guarapuava – Paranaguá, Maracaju – Dourados, Cascavel – Foz do Iguaçu e Cascavel – Chapecó, conclui: “é de todo recomendável que não se prossiga na aprovação da Mensagem 50/2024 sem esclarecer todos estes aspectos críticos e outros que surjam do debate aberto com o setor produtivo, o governo federal e a sociedade paranaense.

Confira: 

A pedido de deputados estaduais, breve e preliminar análise da renúncia pela Ferroeste aos pedidos de autorização para construção, uso e gozo dos trechos Guarapuava – Paranaguá, Maracaju – Dourados, Cascavel – Foz do Iguaçu e Cascavel – Chapecó:

  • A tramitação na ANTT
    1. A ANTT encaminhou ofício 0377/2023/COPAM/GECOF/SUFER/DIR-ANTT à Ferroeste, supostamente com questionamentos à Ferroeste.
    2. A Ferroeste respondeu, em 15/07/2024, alegando que os questionamentos da ANTT deixavam de ser respondidos por perda de objeto decorrente da renúncia às autorizações ferroviárias.
    3. De fato, em 12/07/2024, a Ferroeste renuncia às autorizações dos trechos Maracaju – Dourados, Cascavel – Foz do Iguaçu, Cascavel – Chapecó e Guarapuava – Paranaguá.
    4. Na ANTT, o Gerente de Fiscalização de Infraestrutura e Serviços manifestou-se pela possibilidade de extinção da outorga, na forma do art. 13, III, da MP 1.065/2021i, vigente à época da assinatura dos contratos despachou o processo para a Gerência de Projetos Ferroviários para as providências de sua competência.

  • Segundo o que se sabe, a Ferroeste assim justifica a renúncia:
    1. Trata-se de autorizações, que podem ser requeridas novamente a qualquer tempo, “sem maiores dificuldades”.
    2. Os trechos objeto da renúncia que estejam no território paranaense não precisam ser objeto de autorização, em vista de lei estadual que regula a expansão da Ferroeste.
    3. O cronograma de implantação dos novos trechos depende de entendimentos com o governo federal no contexto da Nova Ferroeste.
    4. A renúncia foi necessária para evitar a incidência de multas administrativas de alto valor por parte da ANTT à Ferroeste por descumprimento do cronograma do contrato de adesão.
    5. Por isso, a renúncia às autorizações (e consequente extinção da outorga) para posterior e eventual nova solicitação.

  • Aspectos gerais a considerar:
    1. O § 3o, do art 6o, da MP 1.065/2021, vigente à época da assinatura dos contratos, prevê que cronograma para o início da operação ferroviária previsto no contrato é “prorrogável a critério do Ministério da Infraestrutura mediante solicitação da autorizatária”.
    2. Assim, é de interesse público averiguar se a Ferroeste solicitou ao Ministério da Infraestrutura a prorrogação do cronograma, a fim de evitar o descumprimento contratual com a ANTT e, de consequência, afastar o risco de penalidades administrativas e eliminar a alegada necessidade de renúncia à autorização para construir e explorar os trechos.
    3. Quanto à prorrogação do cronograma pelo Ministério da Infraestrutura há de se considerar a dimensão federativa. A Ferroeste não é uma empresa qualquer. É o próprio Estado do Paraná, que investiu o equivalente a US$ 363 milhões de dólares (em valores da época, 1992-94) na construção de uma ferrovia que competia ao governo federal construir (por integrar o Mato Grosso do Sul e o Paraguai ao Porto de Paranaguá). Esta realidade política de natureza federativa há de ser tida em conta na relação da Ferroeste com o governo federal e a agência reguladora).
    4. Os trechos objeto da renúncia integram (por imposição logística) o contrato de concessão da Ferroeste, que prevê, além do direito de construção, uso e gozo de uma ferrovia entre Guarapuava e Cascavel e Cascavel e a região de Dourados – MS, também, como consta literalmente no contrato, o direito da Ferroeste de construir e operar os “ramais ferroviários necessários à viabilidade da ferrovia”.
    5. Os trechos objetos da renúncia (Maracaju – Dourados, Cascavel – Foz do Iguaçu, Guarapuava – Paranaguá são necessários à viabilidade da Ferrovia porque delimitam a hinterlândia de cargas ((a área que fornece a carga para a ferrovia e recebe os produtos e serviços transportados por ela), aspecto relevante para a análise locacional que determinarão as decisões de investimento de novos entrantes.
    6. Os trechos Guarapuava – Paranaguá e Cascavel – Foz do Iguaçu integram o corredor ferroviário bioceânico do Eixo de Capricórnio da IIRSA/Cosiplan, já objeto de estudo de viabilidade pelo BNDES.

  • A renúncia relativa ao trecho Guarapuava – Paranaguá
    1. O trecho Guarapuava – Paranaguá é fundamental para assegurar autonomia operacional e logística da Ferroeste em relação à concessionária da malha federal no território paranaense (Rumo).
    2. Diferentemente dos demais trechos objeto da renúncia (Maracaju – Dourados, Cascavel – Foz do Iguaçu, Cascavel – Chapecó), que aumentam a hinterlândia da concessão, o trecho Guarapuava – Paranaguá é condição de exercício pleno da concessão, já que o objetivo do Paraná ao requerer (e obter, em 1989) a concessão para construir a ferrovia entre Cascavel e Guarapuava é de ligar o Oeste ao Porto por trilhos.
    3. A importância estratégica do trecho Guarapuava – Paranaguá deu fundamento a intensa disputa entre o governo do Paraná, secundado pela engenharia paranaense (Instituto de Engenharia do Paraná, sob a liderança do ex-governador Emilio Gomes) e a concessionária privada ALL (antecessora da concessionária Rumo), a final vencida pelo governo paranaense, que convenceu o governo federal a incluir o trecho no Plano Nacional de Logística de Transportes, em substituição à variante Guarapuava – Ipiranga.
    4. A Ferroeste realizou estudo de pré-viabilidade dos trechos objeto da renúncia (contratado junto ao Lactec) e inspecionou-os com equipe do Departamento e Construção do Exército, Ibama e Mineropar, como registrado por equipe da TV Educativa a bordo de helicóptero.

  • Interesses dos acionistas minoritários – riscos de judicialização
    1. Os trechos objeto da renúncia constituem ativos estratégicos para a determinação do valor da empresa (valuation), já que afetam a garantia de da hinterlândia de cargas, reduzindo a capacidade de projeção de movimentação de cargas e, logo, de receitas futuras.
    2. A alteração no valor da empresa em decorrência das renúncias pode vir em prejuízo de acionistas minoritários, abrindo campo para judicialização.
    3. É defensável a interpretação (eventualmente a ser esgrimida pelos minoritário em juízo) de que, dado o seu alcance e efeitos, a renúncia pela Diretoria à autorização para construir e operar os novos trechos haveria de ter sido objeto de prévia deliberação do Conselho de Administração, à luz do art. 28, incisos IV, V, VII e VIII, do Estatuto Social. Ou mesmo haveria de ter sido submetida à Assembleia Geral dos acionistas.

  1. Os trechos em território paranaense, a lei estadual e o interesse da União
    1. A Ferroeste, segundo se diz, alega que os trechos objeto da renúncia que estejam no território paranaense não precisam ser objeto de autorização, em vista de lei estadual que regula a expansão da Ferroeste. Logo, a renúncia exercida pela Ferroeste junto à ANTT não teria consequências práticas.
    2. É preciso ver, todavia, se o direito da Ferroeste de construir trechos em seu próprio território, quando integrem estruturas físicas de interesse extra-estadual, impede que outras empresas requeiram autorização para construí-los, caso a Ferroeste não os construam. Ao que se sabe, não.
    3. Neste sentido, o trecho Cascavel – Chapecó, objeto da renúncia, interessa também a Santa Catarina, atraindo o interesse da União. Logo, da ANTT.
    4. Também os trechos Guarapuava – Paranaguá e Cascavel – Foz do Iguaçu, em território paranaense, integram o corredor ferroviário bioceânico do Eixo de Capricórnio da IIRSA/Cosiplan, já objeto de estudo de viabilidade pelo BNDES. O interesse da União aí também é evidente.
    5. Logo, mesmo trechos em território paranaense que integrem trechos maiores que atravessem a fronteira com outros estados, uma vez objeto de renúncia da Ferroeste, podem, em tese, ser requeridos por outras empresas, reduzindo a hinterlândia da empresa paranaense e o seu valor estratégico e real (valuation).

Em resumo, é de todo recomendável que não se prossiga na aprovação da Mensagem 50/2024 sem esclarecer todos estes aspectos críticos e outros que surjam do debate aberto com o setor produtivo, o governo federal e a sociedade paranaense.

AMIGOS DA FERROESTE

Clique na imagem e confira

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  • i Art. 13. A outorga para a exploração de ferrovias em regime de autorização pode ser extinta por:
  • I – advento do termo contratual;
  • II – cassação;
    III – renúncia;
    IV – anulação; e
  • V – falência.
  • § 1o Iniciado o processo de extinção de que tratam os incisos II, III e V do caput, os agentes financiadores da ferrovia, com anuência do Ministério da Infraestrutura, ouvida a ANTT e por decisão dos detentores da maioria do capital financiado ainda não recuperado, podem indicar empresa técnica e operacionalmente habilitada para assumir a atividade ou transferi-la, provisoriamente, a terceiro interessado até que nova autorização lhe seja outorgada definitivamente, nos termos da regulamentação.
  • § 2o Na hipótese do inciso V do caput, o disposto no § 1o não prejudica os direitos e as obrigações previstas na legislação falimentar.
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