Sérgio Inácio Gomes (*)
Na condição de engenheiro eletricista, professor de engenharia elétrica do IFPR e autor do livro documentário intitulado “A Copel é Nossa”, penso que cabe a mim a responsabilidade por fazer conexões entre circuitos que nos parecem complexos, mas que na realidade, são simples, vamos lá:
Um país que sai dividido das urnas, indeciso na encruzilhada de rumos entre reconstituir-se como um estado democrático de direitos ou retroceder a um regime autoritário. Dentro dessa conjuntura titubeante também nós professores temos que reconfigurar nosso papel enquanto educadores para atuar na sociedade, além da sala de aula. Será que o sistema educacional brasileiro consegue formar cidadãos e cidadãs para uma sociedade democrática.
Neste artigo fazemos reflexões entre fatos. Não são meras suposições. A reflexão que nos cabe trazer é se existe conexão entre fatos envolvendo a Copel e a geopolítica energética desse exato momento.
Fatos:
1. No dia 31 de outubro, exatamente o “dia seguinte” ao da realização do segundo turno das eleições, a Copel comunicou aos seus acionistas com base no assim intitulado, “Fato Relevante 04/22”, que recebeu do Governador do Estado, que é o acionista controlador da Companhia, através do Ofício nº 3068/22 no qual o Chefe da Casa Civil em exercício, Sr. Luciano Borges dos Santos, de que pretende vender ações da Copel. O Palácio do Iguaçu também disse que já contratou assessores financeiros e jurídicos para estruturar a privatização, por meio de leilões, das Usinas UEG Araucária e da Usina Hidrelétrica de Foz do Areia, leilões esses que devem acontecer no quarto trimestre de 2023. Foz do Areia, é a maior usina hidrelétrica da região sul do Brasil fora a Itaipu.
2. Um artigo do jornalismo britânico independente “Declassified UK”, publicado no dia 28 de outubro, o repórter investigativo Matt Kennard denunciou que o Reino Unido gastou milhões impulsionando Bolsonaro para privatizar o petróleo e gás do Brasil. Segundo o artigo, se reeleito fosse naquele final de semana, ele tinha prometido vender estatais e que a prioridade da ajuda do Reino Unido foi feita para a “liberalização do mercado de gás” e “remoção de barreiras específicas do mercado” na energia brasileira. Foi esse mesmo jornalismo investigativo que agora denunciou a relação de caráter neocolonialista entre Brasil e o Reino Unido, que pretendia se apropriar da Petrobras, que também em 2017, revelou como outro programa de ajuda do Reino Unido, que foi criado naquela época para aproveitar a histórica privatização da gigante estatal de petróleo Pemex. Essas coisas explicam por exemplo, porque Bolsonaro nunca visitou um hospital na pandemia, mas foi ao enterro da Rainha Inglesa. Referindo-se ao conteúdo do artigo do “Declassified UK”, o jornalista Marcus Atalla da redação do Jornal GGN escreveu outro artigo no dia 12 de novembro com o título “Bolsonaro entregou setor energético aos britânicos”, no qual ele comenta sobre documentos que revelam um pacto para entrega do setor energético aos britânicos.
3. Renato Feder, o privatista Secretário de Educação do Ratinho Junior é convidado a ser Secretário de Educação do bolsonarista Tarcísio, eleito Governador de São Paulo.
Porém, o resultado das eleições não foi exatamente o desejado pelo desejo dos britânicos denunciados pelos respeitosos jornalistas Matt Kennard e Marcus Atalla, a despeito das diversas modalidades de apelações para o inconstitucional “terceiro turno” das eleições, que se desdobraria na forma de uma “intervenção militar”.
Seja como for, voltando aos fatos, nos cabe perguntar: Será que tem conexão entre o interesse dos britânicos e a “decisão” de nosso governador estadual, agora reeleito, Ratinho Junior, para vender ações da Copel. Se existe ou não conexão entre essas fiações nesse circuito não temos como medir ou provar, mas devemos fazer reflexões com base na verdade dos fatos, senão seria propagar mais uma “fake news”, que infelizmente tornou-se corriqueiro nos tempos atuais. O que não podemos nos permitir é sermos ingênuos e menos ainda, omissos e indiferentes a tais fatos e diante desses as reflexões cabíveis de nossa parte.
Você já assistiu um daqueles filmes de ficção em que personagens de um livro ganham vida e se voltam contra a comunidade causando pânico, inclusive contra o autor do livro, que passa a ter dificuldades em detê-los? Pois é assim que eu me sinto, ao me deparar com o anúncio do governador Ratinho Junior ao publicar a intenção de vender escolas, ações e patrimônios da Copel e retomar as privatizações exatamente no dia seguinte ao segundo turno das eleições (31/10). Ora, no meu livro documentário eu faço a narrativa dos principais personagens que desejavam vender a Copel, os quais chamávamos de “vendilhões”.
Porém, nós já vencemos esses personagens, figurados na expressão “vendilhões” na campanha em defesa da Copel, há exatos 21 anos passados, mas eles estão de volta. O rumo sinalizado pelo governador Ratinho Junior, será no sentido de desejar vender a Copel e suas usinas, indicando que seu segundo governo será uma gestão de doação de patrimônios públicos.
O termo “vendilhões” foi usado por duas razões, uma de ordem filosófica e outra de ordem histórica. A razão de ordem filosófica é que, segundo o dicionário, o termo “vendilhão” significa “substantivo masculino empregado para quem mercantiliza publicamente coisa de ordem moral”, a exemplo de quem pretende se beneficiar com a venda de um patrimônio público que foi construído pelo povo ao longo de muitos anos. A razão histórica, é que essa expressão foi muito utilizada por ocasião da campanha contra a privatização da Copel e, faz alusão àquela atitude bíblica de Jesus expulsando os cambistas dos espaços sagrados – os “vendilhões” (Jo 2,13-22).
Evidencia-se a preocupação do povo paranaense com o controle e a implementação de uma concepção empresarial que orienta a gestão do Governo do Paraná; concepção que está claramente colocada para a Copel, assim como também está colocado para o sistema educacional com a tramitação em regime de urgência do projeto de lei PL469.
Sobre a Copel, o único “Fato Relevante”, que a Casa Civil encaminhou aos acionistas da Copel, é que passou as eleições e agora o Governador sente-se autorizado a efetivar o que é seu projeto estratégico rumo às privatizações.
Num linguajar mais compreensível ainda, esse “Fato Relevante” significa a indicação do rumo que a gestão estadual reeleita pretende seguir, qual seja, o da venda de patrimônios públicos, a iniciar pela Copel.
Não tenhamos pânico, afinal já vencemos os “vendilhões” do Paraná em 2001, logo teremos que ter coragem e determinação para vencê-los novamente em 2022 (ou 2023). Porém, o sentimento de pânico de nosso povo deve ser substituído pelo sentimento de indignação e de atitudes. Afinal de contas, “A Copel é Nossa”, ou pelo menos deveria ser, pois ela foi construída pelo povo do Paraná que a iniciou em 1954, quando foi criada pelo Governador Bento Munhoz da Rocha Neto, quem tinha um grande propósito que era qual mesmo: -“prover o Estado do Paraná com um bom sistema de suprimento de energia, que é uma condição de infraestrutura básica capaz de garantir o desenvolvimento social e econômico do Estado”. Ora, esse propósito nunca deveria ter sido abandonado por qualquer governo comprometido com o povo para o qual governa. É uma condição tão necessária nos dias de hoje, tanto quanto foi há 70 anos atrás, quando a empresa foi construída pelo desejo dos paranaenses.
O setor energético brasileiro, assim como de todas as empresas públicas e economia mista em que o Estado ou a União detém poder majoritário passaram a ser vistas como empresas que tem um único e exclusivo propósito, que oferecer lucro, rentabilidade e distribuição de dividendos aos seus acionistas ao invés de serviços públicos para seu povo.
No gráfico a seguir apresentamos o histórico de lucro líquido da Copel desde 1998 até 2022. Observe como a frase anterior apresenta-se como mais verdadeira a partir do Governo Ratinho Junior em que a Copel passou a ter lucros extraordinários e sem precedentes atingindo recorde todos os anos desde sua posse em 2019. Enquanto isso, a energia elétrica brasileira é a vice-campeã mundial em tarifas altas no planeta. E quem diz isso não sou eu, e sim a agência internacional de energia dos EUA. Muitos outros dados dessa natureza encontram-se disponíveis no meu livro “A Copel é Nossa”.
Que tenhamos coragem novamente para nos reorganizar enquanto povo que não aceitar a privatização nem da energia, nem da água e, muito menos de nosso sistema educacional para servir apenas a um único objetivo, que é o de alimentar a especulação financeira, e que o Brasil volta a ser uma Colônia de algumas metrópoles.
(*) Professor de Engenharia Elétrica do Campus Paranavaí do IFPR, Engenheiro eletricista, Doutor em Eng. Química, Diretor sindical do SENGE/PR e do SINDIEDUTEC.