EDITORIAL
Deve ser encarada como uma ameaça à engenharia e aos empregos nacionais a manifestação do ministro da Economia, Paulo Guedes, de que deve estimular a entrada de empresas estrangeiras no mercado brasileiro para concorrer em licitações do governo. A declaração foi dada em Davos, durante o Fórum Econômico Mundial. O ministro se comprometeu a incluir o Brasil no Acordo sobre Compras Governamentais, a pedido da Organização Mundial do Comércio (OMC). Segundo Guedes, essa é uma forma de permitir o “tratamento isonômico” a estrangeiros que tenham interesse em participar de licitações e concorrências públicas no país. Em contrapartida, as empresas nacionais também “poderão” participar do processo no exterior.
Para justificar a entrada do Brasil neste acordo, Paulo Guedes se apegou ao combate à corrupção. “É o acordo pelo qual nós agora passamos a admitir empresas de fora também para todas as compras que a gente fizer, um tratamento isonômico. O Brasil está querendo entrar para primeira liga, primeira divisão de melhores práticas. E isso realmente é um ataque frontal à corrupção”, disse o ministro em Davos.
A posição do ministro da Economia tem preocupantes implicações para a economia e o desenvolvimento da engenharia nacional. Primeiro porque ele parte da premissa de que os brasileiros e as empresas brasileiras são corruptas e de que o resto do mundo é feito apenas de empresas idôneas. Segundo porque a sua declaração não traz confiança à indústria e a soberania nacional, uma vez que prefere estimular a entrada de empresas internacionais quando os esforços do governo deveriam ser no sentido de fortalecer e dinamizar a indústria e a engenharia brasileira, direcionando-as para a retomada do emprego e desenvolvimento.
A engenharia brasileira não teme a competição. Pelo contrário, ela defende regras que nos deem condições de entrar nesta disputa. No entanto, o que o “juiz Guedes” propõe é que as empresas brasileiras “joguem de igual para igual” com as estrangeiras em um cenário em que o setor nacional foi enfraquecido nos últimos anos.
Para um governo que se diz nacionalista, se espera que ele seja capaz de incentivar – ao invés de atacar e dinamitar – a engenharia brasileira, uma vez que ela demonstrou reagir bem aos estímulos. Uma prova disso é o PIB da Construção Civil caminhando praticamente atrelado ao PIB do Brasil. Em 2010, por exemplo, enquanto o Produto Interno do país cresceu 7,5%, o da construção civil bateu em 13,1%. Em contrapartida, a retração de 2016 do PIB nacional em 3,3% refletiu em uma queda de 10% da construção civil. Um país saudável economicamente e gerando empregos tem na engenharia importante aliado.
Se o ministro Paulo Guedes quer fomentar a economia, isso começa por não frear o otimismo do setor. Sondagem da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) promovida em dezembro de 2019 mostra que há otimismo no setor com empresários propensos a investir.
“O cenário macroeconômico é favorável aos negócios, a queda dos juros e a inflação controlada aumentam a previsibilidade dos empreendimentos da construção, contribuindo para a disposição dos empresários a investir”, descreve o relatório.
Por outro lado, a expectativa não se traduz em fatos. Desde a PEC dos Gastos, a falta de investimentos do Governo Federal em Infraestrutura tem retraído a construção pesada. Segundo o Sindicato Nacional da Indústria de Construção Pesada – Infraestrutura (Sinicon), o PIB do setor de construção (civil e pesada) acumulou queda de 27,5% entre 2014 e 2018.
O governo fala em arrecadar R$ 1,6 trilhão de investimentos durante todo o prazo das concessões do PPI. Contudo, o livro “O mercado de trabalho e a formação dos engenheiros no Brasil” mostra que o crescimento se dá quando há investimento público. “A maior parcela dos investimentos têm origem nas empresas públicas da União, tendo atingido 1,9% do PIB em 2010 e 2013”, retrata a obra na página 31.
Para a doutoranda da USP, Raquel Rodrigues lage, na obra A construção pesada Brasileira, “as condições para o setor se fortalecer a partir de 2000 passam tanto pela proteção ao mercado interno e barreiras à participação estrangeira quanto pelo modelo de concessão de serviços permitindo a diversidade. Houve a retomada com incentivos governamentais e demanda interna por outras de infraestrutura”.
Logo, o governo e o ministro Guedes podem fazer mais pelo setor. Basta discutir a questão tributária, a burocracia, estimular a demanda nacional insuficiente e fomentar investimentos que estimulem o crescimento econômico.
Estes são pontos que convergem a engenharia brasileira. É surpreende observar um governo que se diz patriota estar sempre pronto a leiloar a soberania nacional e usar a desculpa falsa de “combate à corrupção” para desestruturar o setor e favorecer o mercado externo. Se o governo realmente quer travar essa luta, comece por aceitar o relatório que não encontrou irregularidades no BNDES, vire essa página, e retome os investimentos do banco.
Guedes e o governo tem obrigação de enfrentar os reais os motivos que levaram o país a cair para o 106º lugar no ranking de transparência, segundo a Transparência Internacional: “o STF praticamente paralisou, durante metade do ano, o sistema de combate à lavagem de dinheiro do Brasil. Viu-se ainda um aumento das tentativas de interferência política do Palácio do Planalto nos órgãos de controle, com substituições polêmicas na Polícia Federal e Receita Federal e nomeação de um Procurador-Geral da República fora da lista tríplice. No Congresso Nacional, foram aprovadas leis na contramão do combate à corrupção, como, por exemplo, a que criou mecanismos que enfraqueceram ainda mais a transparência de partidos e o controle do gasto público em campanhas eleitorais”, descreve o relatório. Este é o caminho, ministro.