Uma eleição “surpreendentemente previsível”. Essa é a previsão de Emerson Urizzi Cervi, Doutor em Ciência Política e Professor associado do Departamento de Ciência Política. Nesta entrevista, ele esclarece o que é terceira via, restringe a disputa nacional a dois candidatos, a pauta econômica e de costumes, vê amplo favoritismo do governador do Paraná, com um “salto pequeno para qualquer canoa”, e comenta sobre o papel dos sindicatos no pleito eleitoral. “Os sindicatos devem embarcar em campanhas temáticas. Idealmente encampando temas que vão além de suas próprias bases de representação”, observa. Confira.
SENGE-PR: A eleição federal está polarizada em dois campos. Deve-se manter assim até outubro ou acredita em surpresas?
EMERSON CERVI: Se seguir a tradição, sim. Desde 1994 as eleições presidenciais tendem a polarização, com, eventualmente, um terceiro candidato acima de 15%. Em 2006, por exemplo, nem isso aconteceu. Os dois primeiros, juntos, somaram 90% de votos
SENGE-PR: Há espaço para uma terceira via ou isso é insistência da imprensa e alguns setores?
EMERSON CERVI: O uso do termo terceira via é equivocado. Estamos falando de terceiro, quarto ou quinto colocados nas pesquisas. Terceira via é outra coisa. É o candidato que aparece ao longo da campanha e cresce tomando votos de um dos melhores colocados. Terceira via surge pelo meio, não pelos extremos. Em 2018, Bolsonaro foi a terceira via. Dobrou as intenções de voto durante a campanha, tomando votos de Alckmin e Marina. Em geral, o eleitor não costuma optar pela terceira via duas vezes seguidas.
SENGE-PR: Você acredita que a eleição será pautada pela economia, social e costumes ou outros temas podem nortear o debate?
EMERSON CERVI: Os candidatos tentarão pautar a eleição pelos temas nos quais eles têm mais vantagem. Bolsonaro tem vantagem no tema costumes, pois ele representa os valores de setores amplos da sociedade. Lula tem vantagem nos temas econômicos e sociais pelo retrospecto de seu governo e pela conjuntura do atual governo. Falta saber o que será mais importante para o eleitor em 2022.
SENGE-PR: Voltaremos a ter uma eleição de rua, mas com presença ainda maior da campanha nas redes?
EMERSON CERVI: As redes sociais online vieram para ficar. Não dá para separar um espaço do outro. Eles estão integrados e se potencializam.
SENGE-PR: A polarização em esfera federal pode impactar nos estados, em especial, no Paraná, ou a discussão será de alguma forma independente?
EMERSON CERVI: As eleições estaduais sempre são parcialmente deslocadas da nacional. Às vezes mais, às vezes menos. Em 2018 houve muita verticalização, com transferências de votos de candidato a presidente para governadores, deputados e senadores. Não há indicação que isso se repetirá na mesma proporção. Ainda assim, é possível que candidatos nos Estados tentem nacionalizar a disputa regional para se aproveitar o desgaste do atual presidente ou para se apropriar da pauta moral dele.
SENGE-PR: Você acredita que os sindicatos devem embarcar em alguma campanha e, sendo vitoriosa, pode ter surpresas desagradáveis devido às alianças? É necessário se blindar?
EMERSON CERVI: Os sindicatos devem embarcar em campanhas temáticas. Idealmente encampando temas que vão além de suas próprias bases de representação. Infelizmente essa não é a tradição no movimento sindical brasileiro.
Por vezes ele encampa campanhas de personalidades, transformando-se em correia de transmissão; por vezes restringe suas demandas aos interesses mais imediatos de suas bases, afastando-se do restante da população – o que ajuda a criar uma imagem de antagonismo entre sindicalizados e não sindicalizados.
SENGE-PR: O Governo do Paraná assumiu uma política neoliberal, enxugando o serviço público e voltada para interesses privados como isenção de impostos, terceirizações e privatizações. Numa eventual vitória da esquerda nacionalmente, acredita que em uma possível reeleição de Ratinho Junior ocorra um ajuste neste modelo?
EMERSON CERVI: A reeleição de Ratinho é o cenário mais provável. Assim como em 2018 a conjuntura política o favorece e a avaliação de governo dele é positiva. Além disso, a ausência de um terceiro nome com algum potencial de votos pode levar a uma disputa de um turno só. Se reeleito no Paraná e houver um governo nacional de oposição a ele, o mais comum é ele aproximar o governo dele do federal. O partido de Ratinho, PSD, é nacionalmente mais próximo a Lula do que a Bolsonaro. Ratinho não está com um pé em cada canoa, mas, se precisar, o pulo que precisará dar é pequeno.