A premiação do 2º Concurso Literário e Fotográfico Litoral com Arte 2022, com representantes dos sete municípios, terminou com a engenheira agrônoma Maria Wanda de Alencar Ramos, em primeiro lugar na categoria conto.
Seu conto, segundo o Correio do Litoral, descreve a vida de uma agricultora caiçara, e ela considera “significativo a celebração ter acontecido no mês de março, em que é comemorado o dia internacional de luta pelos direitos das mulheres, o 8 de março”.
A autora destaca que a mulher trabalhadora retratada no conto pode ser encontrada em diversos espaços e classes sociais. “Se as mulheres urbanas têm de se dividir entre o trabalho doméstico e o trabalho no comércio, nas fábricas, na empresa etc. Às trabalhadoras do campo, é acrescido o roçado, a lida com os animais domésticos, a agroindústria rural ou doméstica etc”, define Maria Wanda de Alencar Ramos, que é diretora do Senge-PR.
Segundo ela, a divisão entre trabalho “leve” e pesado, referindo-se ao trabalho “leve” aquele realizado pelas mulheres, é considerado assim, não porque de fato o seja, mas porque o trabalho delas tende a ser desvalorizado pelo homem, isto é, ser leve e, em caráter de “ajuda”.
CONFIRA O CONTO
Nhá Cândida – A caiçara e o trabalho
A grande dúvida de Nhá Cândida ao raiá do dia é: Como ordenar o que vem primeiro entre as tarefas, seria preparar as refeições? Alimentar os bichos? Cuidar da horta? Retirar o leite das vacas? Lavar e passar roupas? Limpar a casa? Além do cuidar dos netos, do marido e conciliar com outras labutas que surgem no decorrer do dia.
Só de pensar, Nhá Cândida já se sentia exausta. E mal começava o dia, lembrando que os netos/as vinham à tarde, a sua filha precisava trabalhar e deixar com a avó era o meio viável. Desta forma, Nhá Cândida precisava tirar um tempo para cuidar deles/as, além de preparar umas iguarias, afinal, a comida da vó tem gosto e sabor de amor.
O almoço tem de estar pronto às 11h porque Nhô Pedro chega da lavoura de mandioca e banana, e ai dela se ele chegar e o almoço não estiver pronto. Nhô saiu para a roça desde às 05h30min, o sol ainda nem havia lançado seus primeiros raios. Porém, é claro que antes de sair para a lida, o café e a berereca já estavam prontos, pois Nhá Cândida tem de deixar tudo arrumado para o marido, que precisa trabalhar.
Contudo, ao iniciar o almoço eis que a lenha acabou, estava garoando. Como pegar lenha no mato? Que aflição Nhá Cândida passava, porém, sempre há os vizinhos para socorrer nestes momentos de agonia.
Corre à casa de Maria e Jacó, empresta lenha, mas precisa de cuidados para não molhar no percurso da volta a casa, no retorno era aquele silêncio, com cheiro de terra molhada, e ainda dava para ouvir o canto do Surucuá. Lenha no fogo, agora sim, pode continuar o almoço, limpar a casa, dar comida para às galinhas, a uns peixes, pois o açude está perto de casa e jogaram uns alevinos de traíra, cará, bagre e saguiru. Ufa! Ainda bem que está chovendo, Nhá Cândida não precisa molhar a horta, necessita, apenas, de cuidar dos fungos que podem nascer depois, mas ela já tem a receitinha caseira para tratá-los. Aprendera com a bisa.
Casa limpa, almoço pronto, Nhô Pedro chega, ela serve a refeição. Tem feijão, arroz, hortaliças fresquinhas e peixe, mas Nhô Pedro, depois do almoço, não fica sem a sobremesa. Nhá Cândida que conhece os gostos do marido há mais de 40 anos, já preparou o sagu, também já entrega junto o fumo para o paieiro.
Vem à tarde, Nhô Pedro tira um cochilo antes de voltar ao roçado. Enquanto isso, Nhá Cândida, lava a louça, limpa a cozinha e prepara o pão para o dia seguinte, coloca a roupa no tanque, esperando a chuva passar para poder secar. Neste ínterim corre ao quintal colher umas espigas de milho a fim de preparar a pamonha, bolo e curau para a criançada que logo surgirá. Chegam os netos/as. Comida pronta, história escolhida, hoje recorrerá às memórias dos causos contados pelos seus avós que vieram do sertão nordestino e chegaram ao litoral paranaense, neste percurso passaram pelas mãos de muitos proprietários de terra, vendendo sua força de trabalho. Ela fala da cultura, das rezas e xaropes de benzedeiras, das festas, dos reisados e do fandango,como aprenderam a fazer cataia, e como eram boas as confraternizações, inclusive a festa da colheita. Ela repetia as histórias ouvidas dos seus ancestrais. Seus netos/as se encantavam, faziam perguntas, que eram prontamente respondidas com outro causo, contudo, Nhá Cândida precisa apressar, porque não pode atrasar o jantar, logo Nhô Pedro chegará e ei! Dela se a janta não estiver pronta
Mantém os netos/as sob vigilância e corre para preparar uma quirera com costelinha de porco para logo mais, dar uma mexida na roupa que está de molho, separar o gado no curral e já retira o leite, põe ração, e já apronta o leite para um queijo no dia seguinte.
Vem à noite, Nhô Pedro chega cansado, depois de um dia de trabalho no campo, a comida está pronta, jantam, Nhô Pedro vai descansar, foi um dia de trabalho muito pesado. Nhá Cândida vai limpar a cozinha e lavar a louça, colocar o pão para assar para o café do amanhã. Os Netos/as se vão. Ah! Existem umas calças de Nhô Pedro que precisam ser costuradas, botas para serem limpas, e Nhá Cândida precisa deixar tudo pronto para o dia seguinte.
E assim, termina o dia de uma Caiçara, como o de muitas mulheres dos campos brasileiro, sem alardes, sem visibilidades do trabalho, sem notoriedade. Agora precisa dormir, afinal, ela precisa acordar disposta e alegre para o novo dia. É o que se espera dela.
Maria Wanda de Alencar Ramos