Como o uso do pinhão na culinária contribui para a preservação da Mata Atlântica

No centro do Paraná, comunidades da reforma agrária buscam alternativas para gerar renda, permanecer no território onde vivem e preservar a araucária, espécie ameaçada de extinção, valorizando o pinhão como alimento versátil na culinária

Fotos: Diangela Menegazzi
Comunicação
05.JUN.2024

Por Diangela Menegazzi e Ednubia Ghisi, do Setor de Comunicação e Cultura do MST-PR

A semente da araucária, árvore símbolo do Paraná, faz parte da história de resistência dos povos originários e da cultura alimentar do estado até hoje. Para além da forma tradicional como o pinhão é consumido, cozido ou assado, a ampliação do seu uso na culinária tem se mostrado uma aliada na preservação e recuperação da araucária, uma das espécies ameaçadas de extinção no bioma Mata Atlântica.

Ana Paula Siqueira Rodrigues surpreendeu-se ao ver 100 modos de preparo do pinhão, em receitas doces e salgadas. “Até então eu pensava que o pinhão era só cozido ou na chapa [do fogão à lenha], não sabia que ele pode ser utilizado em outras receitas e assim diversificar nossa alimentação”, comentou a jovem camponesa da comunidade da Reforma Agrária Cinco de Maio, município de Pinhão, região Centro do Paraná.

Conhecer diferentes modos de preparo do pinhão é o que Ana Paula e diversas pessoas de assentamentos e acampamentos da Reforma Agrária dos municípios de Pinhão e Guarapuava, integrantes da Brigada Cacique Guairacá do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), estão buscando. Por isso, no último dia 28 de maio, participaram do curso “Alimentação com os sabores do Pinhão”.

As novas receitas salgadas e doces foram apresentadas pela nutricionista Maria Fátima de Oliveira Negre, colaboradora da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), e pela bolsista de Tecnologia de Alimentos Maria Iolanda Mendes Silva.

Além de muito versátil para pratos doces e salgados, Fátima Negre reforçou o valor nutricional do pinhão, muito rico em fibras, em potássio e fósforo. O alimento ajuda a prevenir doenças intestinais e cardiovasculares, pela redução do colesterol e dos triglicerídeos. O período de coleta do pinhão coincide com a época mais fria do ano no estado, entre meados de abril e junho.

Negre é coautora do livro “O Pinhão na Culinária”, publicado pela própria Embrapa, com 100 receitas para todos os gostos. “Essa experiência foi muito enriquecedora, trabalhar com as pessoas da agricultura, ensinar elas e aprender é muito importante. Isso vai agregar valor para cooperativa e aos produtos delas”, conta, sobre a experiência de trabalhar com o grupo de mulheres do MST.

Iara de Souza, integrante da direção da Brigada, contou que o curso vai contribuir com a organização da CooperGuairacá, cooperativa das famílias camponesas da região. “É um impulso muito grande para nossas produções. Esse curso vai agregar muito na comercialização da nossa futura cooperativa, que está em processo de construção. Grande parte das associadas são mulheres, que com certeza vão replicar as produções aprendidas hoje”. As mulheres da Brigada formam o coletivo Eternas Guerreiras, que realiza diversas ações de formação e organização das camponesas da região.

O curso faz parte de uma ação preparatória para a 2ª Jornada da Natureza – Semeando vida para enfrentar a crise ambiental, que será realizada do dia 3 a 7 de junho no estado do Paraná. No dia 5, as áreas de reserva legal do assentamento Nova Geração, de Guarapuava, e da comunidade Nova Aliança, de Pinhão, vão receber Lançamento de 1,5 toneladas de semente de araucária, além do plantio de araucária enxertada e árvores no Sistema Agroflorestal (SAF).

Mata Atlântica protegida e geração de renda
A pesquisadora Rossana Catie Bueno de Godoy, da Embrapa Florestas, enfatiza que a valorização do pinhão como alimento pode transformar a visão dos produtores sobre a araucária, uma árvore frequentemente vista como problema e cortada ainda jovem.

“Quando o pinhão é valorizado como alimento e isso ganha uma notoriedade, a pessoa pode ver que a araucária vale muito mais em pé do que derrubada. Isso muda todo um contexto”, afirma a pesquisadora.

Godoy ressalta que o pinhão, além de ser um alimento nutritivo e culturalmente significativo, pode melhorar a gastronomia local e ser inserido na merenda escolar. A agroindustrialização do pinhão em forma de farinha amplia suas possibilidades de uso, como em pães, bolos e massas caseiras, diversificando a cesta de bens de consumo e aumentando seu valor.

Eva Franciele dos Santos, da comunidade Encontro das Águas, em Guarapuava, também destacou a importância de valorizar os produtos da sociobiodiversidade para potencializar o projeto de reforma agrária e a preservação da Mata Atlântica. “Entendemos que somos parte da natureza e podemos conviver com ela sem perder a qualidade de vida”, afirmou Eva.

Além da construção coletiva de uma cooperativa para agregar valor ao pinhão, à erva-mate e a frutas nativas, a Brigada Cacique Guairacá planeja criar um viveiro de araucária enxertada para reflorestar áreas afetadas pela antiga indústria de madeira pertencente a João José Zattar. O objetivo é proteger os recursos naturais e viver em harmonia com a natureza por meio da agroecologia e cooperação.

Leila Klenk, superintendente do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) no Paraná, esteve no curso e enfatizou o papel das comunidades da Reforma Agrária da região em aliar melhores condições de vida para as famílias camponesas, em harmonia com a natureza. “Nós, como poder público, temos a obrigação de oferecer à sociedade políticas públicas que pensem na preservação do meio ambiente e na qualidade de vida da população”.

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