Por Manoel Ramires/Senge-PR
A Araucária, símbolo do Paraná, pode entrar em extinção em 2070. Daqui 50 anos. Segundo um estudo da Universidade de Reading, no Reino Unido em parceria com a UFPR, em 2009 as áreas remanescentes não passam de 12%. Em dez anos, caiu para 6,5%, sendo que 98% dessas áreas restantes não são protegidas. Pior, depois de décadas de exploração irresponsável e ausência de fiscalização, resta menos de 1% de Floresta com Araucária em bom estado de conservação no Paraná. A extinção pode ser acelerada por iniciativas atuais do poder público. Governo do Paraná e Federal têm atuado para enfraquecer ainda mais a fiscalização e a proteção ambiental. O tal “passar a boiada” do ministro Ricardo Salles. No estado, por exemplo, um projeto de lei busca autorizar o corte de Araucárias. Já uma empresa do setor elétrico recebeu autorização para desmatar em 24 municípios paranaenses. O progresso que destrói. Esses são pontos da entrevista com Ogiem Guimarães, diretor-executivo do Observatório de Justiça e Conservação, neste 24 de junho, data que marca o Dia da Araucária. Para ele, “o problema é que além de não haver vontade política, o desmonte ambiental promovido pelo Governo Federal se espalhou pelo governo paranaense”. Confira a entrevista.
O projeto 537/2019 do deputado estadual Emerson Bacil pode extinguir a Floresta de Araucária no Brasil. No que consiste esse projeto e porque é necessário combatê-lo?
Giem Guimarães: A imensa maioria dos projetos que estão sendo votados às pressas neste período de pandemia e que versam sobre o meio ambiente vem com o carimbo ” passando a boiada”, cunhado pelo atual ministro do meio ambiente. Nunca a fiscalização e punição sobre os crimes ambientais foram tão falhos. Uma senha foi distribuída aos estados pelo Governo Federal no momento em que o presidente citou uma hipotética “indústria da multa”, fato que foi utilizado como desculpa para uma série de ilegalidades e impunidades.
É importantíssimo que antes de se flexibilizar qualquer lei ambiental como esta deste deputado, que sejam restabelecidos os meios de fiscalização e punição por crimes crescentes (de forma exponencial) contra o meio ambiente. Hoje o efetivo de pessoas na fiscalização é ridiculamente baixo e ineficiente. Muitas flexibilizações como esta partem de interessados que já trabalham ilegalmente e buscam alguma espécie de anistias camufladas sob a forma de “novas leis”. A realidade do interior dos estados é muito diferente daquela dos grandes centros, onde ainda há alguma fiscalização.
É preciso que os ministérios públicos e a população participem ativamente disto. Com relação a questão da extinção, é preciso compreender o conceito de erosão genética, quando sobram tão poucos espécimes de um bioma que se condena a existência dos futuros espécimes, deixando-os mais suscetíveis a doenças, períodos de seca ou mudanças bruscas no ambiente.
O senhor tem conhecimento de projetos que vão em outro sentido? Que seriam capazes de proteger os remanescentes de Floresta com Araucária no Brasil?
Giem Guimarães: Há vários projetos que não andaram, e que poderiam sim promover desenvolvimento econômico com preservação. O problema é que além de não haver vontade política, o desmonte ambiental promovido pelo Governo Federal se espalhou pelo governo paranaense. Há projetos que visam o PSA(pagamentos por serviços ambientais), por exemplo. Uma vez que os remanescentes de fom estão nas mãos de proprietários privados, estes deveriam ser premiados por manter em pé estas últimas florestas em grave ameaça de extinção. Seria uma maneira de estimular o turismo, renda extra para pequenos proprietários que muitas vezes não tem condições de cuidar de maneira adequada destes verdadeiros fósseis vivos.
Em 100 anos, o senhor saberia dizer o quanto perdemos de biodiversidade relacionada a Araucária? Um estudo da Universidade de Reading, no Reino Unido aponta que atualmente temos 6,5% da mata original e aponta para a extinção completa em 50 anos. Como evitar isso?
Giem Guimarães: É incrível como os brasileiros desconhecem sua própria história, principalmente aquela relacionada à devastação. A área originalmente ocupada pela fom (floresta ombrófila mista) equivalia a 200 mil km quadrados. Uma área de 5 Suíças praticamente toda dizimada. Uma guerra foi travada pela posse destas terras (Guerra do Contestado), estima-se em 20 mil mortos as vítimas deste conflito. Pouco se fala sobre isso, o que é assustador. Se desconhecemos estas barbaridades, fica fácil relativizar a importância deste bioma, não é mesmo? Somente com políticas públicas efetivamente sérias e com a participação ativa da sociedade, poderemos mudar isso.
Hoje em dia, quem são os aliados e as iniciativas parceiras de preservação ao meio ambiente e ao principal símbolo do Paraná?
Giem Guimarães: Algumas poucas empresas exemplares como O Boticário e o Grupo Positivo atuam nessa área. As ONGs e os proprietários de RPPNs (Reserva Particular do Patrimônio Natural) devem ser enaltecidos também. Além de todos aqueles que preservam suas reservas e respeitam a lei. Número de pessoas este que, graças aos exemplos que vêm das autoridades, têm diminuído assustadoramente.
Como o cidadão pode identificar se a madeira que ele usa em casa ou no trabalho não é produto do corte de Araucárias? Existe algum selo ou campanha para pressionar lojas e comércios do setor?
Giem Guimarães: Sim, existem alguns selos como o fsc e o life, que asseguram a origem ou comportamento empresarial. a melhor pressão vem com a educação e conscientização dos consumidores que, no momento da compra deve dar o exemplo, inclusive aos fornecedores, exigindo que lhes apresente a origem da mercadoria. não comprar madeira não certificada ou de origem suspeita.
Porém.net: O Governo do Paraná encontra muitas semelhanças com o Governo Federal na área ambiental? Por aqui também tem-se o costume de “passar a boiada” em normas e leis e fragilizar a proteção da natureza?
O Governo do Paraná talvez seja o mais bolsonarista dos governos estaduais. A FAEP(Federação Paranaense de Agricultura) foi a mentora do projeto de lei recente que queria modificar a lei da Mata Atlântica e que permite cortes em áreas de preservação permanente. O Paraná é tradicionalmente um estado madeireiro e devastador. Somos o terceiro estado que mais devastou a Mata Atlântica do país, de acordo com levantamentos do Map Biomas.
Recentemente, um episódio em Campo Largo chocou os paranaenses. Foi a derrubada de Araucárias por parte da empresa francesa Engie. O planejamento da companhia é construir mil torres de transmissão por áreas naturais de 24 municípios. Estamos diante de um desastre que pode ser legalizado? Os investimentos para essa obra virão da onde?
Giem Guimarães: Estamos diante de uma catástrofe, um crime hediondo sobre o qual pesa a total conivência do senhor governador Ratinho Junior e de seu secretário “de desenvolvimento sustentável”, Márcio Nunes. É um escárnio com todos os paranaenses o que estão fazendo. Com dinheiro do BNDES, os franceses da Engie ameaçam as últimas florestas com Araucária do país. O governo do estado age com total falta de transparência. Este licenciamento (Projeto Gralha Azul- Engie) possui inúmeras ilegalidades e é incrível que o IAT (Instituto Água e Terra do Paraná) tenha liberado sua execução. Nunca se viu um licenciamento desse porte tão mal feito.
Que ações estão sendo preparadas pelo OJC para marcar o Dia da Araucária?
Giem Guimarães: Infelizmente teremos que nos expor em plena pandemia. com todos os cuidados, planejamos uma ação simbólica com troncos de araucárias apreendidos. Obtivemos a licença dos órgãos competentes e pretendemos trazer mais transparência sobre tudo o que este governo, infelizmente, faz questão de esconder.