Texto adaptado de Felipe Mateus
Quantos professores negros você teve, ou tem, no seu curso de graduação? E inovações científicas e novas tecnologias, sabe quantas e quais delas foram desenvolvidas por pesquisadores negros? Não ter resposta para essas questões é uma das várias formas com que o racismo se manifesta na sociedade. No mês da consciência negra, o Jornal da Unicamp propõe uma discussão importante para quem trabalha com a produção de conhecimento no país: o que pode ser feito para combater o racismo no mundo acadêmico? Conversamos com professores de diferentes áreas da universidade e todos concordam que a aposta na diversidade é um caminho garantido para a construção de uma ciência que beneficie toda a sociedade.
Epistemicídio: quem matou nosso conhecimento?
Uma das bases da cultura ocidental moderna é a ideia do eurocentrismo. Nessa visão de mundo, tudo o que vem da Europa – cultura, artes, línguas, religiões, política – e das sociedades europeias é vista como superior em relação aos demais povos da América, África, Ásia e Oceania. Foi com esse pensamento que vários países europeus trabalharam pela expansão de seus modos de pensar e agir ao redor do mundo, subjugando as demais culturas.
Com as universidades isso não foi diferente. No Brasil, a primeira foi a Escola de Cirurgia da Bahia, criada em 1808 na esteira de outras benesses introduzidas na colônia para recepcionar a família real portuguesa. Sem a presença de europeus, a mentalidade eurocêntrica tornava impossível a criação de instituições de ensino na América, afinal, os povos do Sul global não seriam dotados de conhecimento ou cultura.
Séculos depois da independência política dos países latino-americanos – décadas, no caso dos países da África e Ásia -, essa desigualdade passou a chamar a atenção de estudiosos que começaram a contestar essa realidade, não só entre quem poderia ou não produzir ciência e conhecimento, mas também o predomínio de uma visão de mundo e de ciência essencialmente europeia. Um deles foi o português Boaventura de Sousa Santos, criador do termo “epistemicídio”. Para ele, a destruição dos conhecimentos e das tradições de povos que foram alvos da exploração colonial é uma das formas de genocídio aplicadas pelos colonizadores europeus.
Ações afirmativas para reduzir desigualdades
Com o objetivo de reduzir esse abismo histórico entre brancos e negros, foi aprovada em 2012 a Lei 12.711, que prevê a implementação de cotas raciais e sociais para o ingresso em universidades e instituições de ensino médico e técnico federais. Na Unicamp, a adoção de cotas étnico-raciais foi aprovada em novembro de 2017 pelo Conselho Universitário. Elas passaram a valer no Vestibular 2019, edição em que também foi realizado o primeiro Vestibular Indígena da universidade.
Os resultados já podem ser vistos nos números. No último dia 13 de novembro, O IBGE divulgou os resultados da pesquisa Desigualdades Sociais por Cor e Raça no Brasil. O estudo mostra que, pela primeira vez, o número de estudantes negros no país superou os 50%. Em 2018, alunos pretos e pardos representavam 50,3% do total de matrículas em instituições de Ensino Superior públicas do país.
Apesar dessa conquista, desigualdades ainda são identificáveis no universo acadêmico. Diferentes levantamentos, feitos por veículos de imprensa – jornal Nexo e portal G1 -, mostram alguns dos avanços da política de cotas e que o acesso ainda não é o mesmo em todas as áreas. Eles se baseiam nos dados do Censo da Educação Superior de 2016, edição que mostrou a distribuição de estudantes negros no país. Um comparativo do Nexo entre os cursos mais procurados mostram que as graduações que mais incluem alunos pretos e pardos são Serviço Social, Licenciaturas em Letras e em Química, Recursos Humanos e Enfermagem. Já os que contavam com o número menor de pretos e pardos eram Medicina, Medicina Veterinária, Engenharia Química, Design e Publicidade e Propaganda. Dos 50 cursos considerados pelo levantamento do jornal Nexo, nenhuma engenharia tinha mais de 50% dos alunos pretos e pardos.
Ainda que seja o início de um processo, a presença de alunos negros nos cursos de graduação já estimula mudanças e discussões que ainda não são familiares a todos os pesquisadores. Segundo Debora Jeffrey, professora da Faculdade de Educação e presidente da Comissão Assessora de Diversidade Étnico-Racial (Cader) da Unicamp, é quando os alunos demonstram interesse por esses temas que muitos professores começam a pensar nisso. “É uma discussão que, oficialmente, não se faz presente. A gente chega nesse tema muito mais pelos estudantes que trazem essa temática, essas discussões para repensar a epistemologia pautada na cultura, filosofia negra, afro-brasileira, do que necessariamente uma discussão recorrente no cotidiano, de termos uma universidade que está pautada muito na produção de conhecimento europeu ou norte-americano”, explica Debora.