A democratização do transporte público da capital, problematizada em audiência pública na Câmara Municipal de Curitiba (CMC), será aprofundada por um grupo de debates. A próxima reunião foi agendada para abril, ainda sem um dia ou local definidos. Proposta por Professora Josete (PT), a atividade desta sexta-feira (22) teve como principal encaminhamento a importância do controle social sobre o sistema, o que passaria pela reativação do Conselho Municipal do Transporte.
Segundo Josete, o conselho não se reúne desde 2017, quando teria sido divulgada sua última ata. Para a vereadora, também é importante democratizar a participação dos usuários nesse órgão: “Até tem um representante [da população], mas é escolhido pelo prefeito”. “Com certeza o controle social é o caminho para a gente mudar as coisas”, defendeu ela. “A gente cumpriu uma etapa, que foi uma audiência pública, mas tem que dar continuidade. Até porque ano que vem vai ter de novo o reajuste da tarifa.”
Além de parlamentares, a audiência pública reuniu docentes, acadêmicos e representantes da sociedade civil, para a discussão de três pontos-chave: reajuste da tarifa, licitação do sistema e a queda do número de usuários. A partir desses temas, outros encaminhamentos devem ser o envio de pedidos de informações oficiais ao Executivo, a desburocratização do passe escolar e a retomada da tarifa domingueira.
No primeiro evento na CMC desde que assumiu o mandato na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep), Goura (PDT) repudiou a declaração do prefeito Rafael Greca, durante a sessão de 13 de março, de que seria “demagógico, cretino e muito contrário ao interesse público da cidade se insurgir contra o preço da tarifa”. Ele e Josete foram os autores da ação que chegou a adiar o reajuste da passagem de R$ 4,25 para R$ 4,50 – liminar depois derrubada pelo Executivo. A fala do gestor, avaliou, é “inadmissível” e leva à “desqualificação” do debate.
“Demagógico e cretino”, continuou, é “fazer a manipulação política da tarifa”. Goura defendeu a regulamentação do subsídio do governo estadual ao sistema, a partir de critérios técnicos. Ele deverá propor projeto de lei na Alep sobre o tema. Dentre outras críticas, o deputado estadual ainda apontou projetos de sua iniciativa arquivados ou que não prosperaram na CMC, como a divulgação de reajustes tarifários com a antecedência mínima de 15 dias, além de sua discussão em audiência pública no Legislativo de Curitiba (005.00373.2017, com o substitutivo 031.00065.2018). Recentemente, Tico Kuzma (Pros) apresentou uma proposta semelhante, para que publicização ocorra 30 dias antes do reajuste (005.00036.2019).
Questionamentos à tarifa
“Evidências mostram para a gente que a renovação da frota está sendo bancada pela prefeitura. Pela tarifa que usuário paga na catraca, a prefeitura está subindo a tarifa técnica, para que os empresários consigam viabilizar essa renovação”, alegou o diretor do Sindicato dos Engenheiros do Paraná (Senge-PR), Luiz Henrique Calhau. Mestre em Planejamento Urbano e membro da Plenária Popular do Transporte, ele apresentou um gráfico que representaria a arrecadação do Fundo de Urbanização de Curitiba (FUC, administrado pela Urbs) e das concessionárias do sistema, entre 2011 e 2017. Esse aumento da tarifa técnica, completou, “vai sempre pressionar o aumento da tarifa pública [valor pago pelo usuário]”. Calhau propôs a discussão de “outras alternativas de operação e de controle”.
Membro da Plenária Popular do Transporte e conselheiro do Conselho da Cidade de Curitiba (Concitiba), Lafaiete Neves alertou para indícios de irregularidades apontados pela CPI do Transporte Coletivo da CMC, em 2013, e por levantamentos de outros órgãos, como pelo Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR). Essas questões, indicou, têm impacto direto na tarifa. “A tarifa não é técnica. É política. E se decide em uma mesa de jantar, no [Graciosa] Country Club, em outros lugares.”
A tarifa técnica, hoje fixada em R$ 4,79, Lafaiete descreveu como “elemento introduzido na licitação para comprovar a cláusula de contrato que diz que a tarifa tem que ser reajustada quando houver desequilíbrio econômico-financeiro”. O professor aposentado da Universidade Federal do Paraná (UFPR) ainda acusou a Urbs de não ter controle sobre os gastos reais das concessionárias: “Se você não sabe o número de passageiros e o custo real, como se calcula a tarifa? Estão atrás do software [da bilhetagem eletrônica] até hoje. Isso é manipulação. Não é um serviço público. É um negócio, como um supermercado”. A solução, opinou, é a “difusão do conhecimento” contra essas “ditaduras econômicas” e a promoção de políticas públicas voltadas aos usuários.
Outra convidada da mesa de debates, a advogada e professora universitária Ana Luiza Chalusnhak, docente da UFPR e Mestre em Direito do Estado, fez uma fala mais técnica, sobre os contratos de concessão. “É uma escolha constitucionalmente prevista”, explicou, sobre a decisão de os Municípios prestarem o serviço de transporte público ou o licitarem, após a aprovação de projeto de lei na respectiva Casa Legislativa. No entanto, ela alegou que isso não significa uma privatização ou isenta o Município de responsabilidades, como a fiscalização do serviço ofertado à população. Itens não previstos em contrato e cobrados pelo Executivo, completou, têm um custo, repassados à tarifa.
Outras participações
Os vereadores Bruno Pessuti (PSD) e Rogério Campos (PSC) acompanharam o início da audiência pública. Para o primeiro parlamentar, que relatou a CPI do Transporte, em 2013, o debate sobre a democratização não pode ser dividido entre base e oposição. Ele defendeu que o sistema precisa inovar para atrair novamente usuários ao sistema, como pela integração multimodal e pela tarifa temporal – também chamada de bilhete único, tema de projeto de sua iniciativa em tramitação no Legislativo, pronto para a inclusão na ordem do dia (005.00016.2017).
“Qual o desconto que o Município tem para enviar uma carta? Zero”, disse Pessuti, sobre as gratuidades sem contrapartida, como aos Correios. Dirigente do sindicato que os trabalhadores do transporte coletivo (Sindimoc), Campos falou sobre o projeto do Executivo que pode levar à demissão de cobradores e, em sua avaliação, “acabar com a carreira” (saiba mais). “A gente vê sempre o lado mais fraco da corda arrebentando”, complementou.
O público também participou do debate. Valdir Mestriner, presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Urbanização do Estado do Paraná (Sindiurbano-PR), do qual fazem parte trabalhadores da Urbs, concorda que “a tarifa é política”. “Fiz questão de subir nesta tribuna e reiterar o que já falei alguns anos atrás. Que na verdade não houve licitação do transporte coletivo”, acrescentou a ex-deputada federal e ex-vereadora Dra. Clair, para quem as concessionárias se organizaram em um “cartel”.
Participaram do evento, dentre outras entidades, representantes do Diretório Central de Estudantes (DCE) da UFPR, dos conselhos Nacional e Estadual de Cidades, da Juventude do PDT e da Associação da Vila Uberlância. Segundo Professora Josete, os presidentes da Urbs, Ogeny Pedro Maia Neto, e do Sindicato das Empresas de Ônibus de Curitiba e Região Metropolitana (Setransp), Mauricio Gulin, além de representantes do Ministério Público do Paraná (MP-PR), foram convidados e justificaram as ausências.