Por Manoel Ramires
O engenheiro eletricista da Copel, Leandro Grassmann, assume o Sindicato dos Engenheiros no Estado do Paraná (Senge-PR) em 1o de junho. E a tarefa não é fácil de assumir a entidade em meio a pandemia de coronavírus, desregulamentação do trabalho e ataques que os sindicatos vêm sofrendo. Nessa conversa, ele avalia o momento atual e, como bom engenheiro, projeta o futuro buscando minimizar os erros e superar os obstáculos.
Você assume o Senge-PR durante a pandemia de Covid-19 e com as entidades sindicais sendo alvo de ataques dos governos e certo descrédito da sociedade. Como enfrentar esses desafios?
Leandro Grassmann: Os ataques aos sindicatos, quer sejam por parte do Governo, da Sociedade ou do ‘Mercado’ já ocorrem há muito tempo. É um movimento com fim unicamente econômico e que, nos últimos 2 ou 3 anos, tem mostrado sua face mais cruel. Com as reformas e MP´s editadas, vem retirando fontes de manutenção dos Sindicatos, bem como suas atribuições legais. Também atacam outro ente que foi criado para defender o trabalhador, a Justiça do Trabalho.
As relações de trabalho estão tendendo a manter-se somente entre empregador e empregado, colocando os dois lados em supostas condições de igualdade ao negociar. O Senge, como entidade sindical, continua sua trajetória de lutas e defesa dos profissionais da Engenharia e Geociências. Mesmo com menos dinheiro e com descrédito de parte dos Engenheiros, continuará a defender a Engenharia e a Sociedade. É justamente nesses momentos de maior pressão que não podemos esmorecer. Precisamos unir esforços com quem esteja disposto a seguir o mesmo caminho e buscar manter os debates ‘vivos’. Sabemos que o momento é difícil e que teremos muitos obstáculos. É hora de reavaliar as estratégias usadas até o momento, passar por cima das divergências e buscar meios de atingir nossos objetivos.
O COVID-19 gerou uma crise internacional, e não se sabe quando cessará. Impõe uma nova realidade a todos nós. Apesar de incontáveis consequências negativas, ainda penso que temos um catalisador para inovações. É um fator externo, indesejado, mas que nos obriga a repensar nossa forma de nos relacionar e produzir. É o momento de aproveitarmos para refletir a forma como vínhamos vivendo, para entender o que nos é precioso e aquilo que podemos abrir mão. Se soubermos entender as adversidades, talvez possamos sair dessa crise mais fortes.
Temos uma diretoria plural, com profissionais de diversas áreas da Engenharia e Geociências. Esses profissionais, com suas experiências, somadas, certamente terão condições de encontrar saídas para as dificuldades impostas.
Um dos principais baques na receita sindical é o fim do imposto sindical. Como combater essa perda de receita?
Leandro Grassmann: A receita dos sindicatos, quando o imposto sindical passou a ser facultativo, caiu vertiginosamente. Muitos sindicatos perderam, de um ano para outro, mais de 80% das receitas. Para o Senge não foi muito diferente.
A receita do Senge era composta principalmente pelo imposto sindical (33%), taxas assistenciais (18%) e mensalidades associativas (22%). De 2018 pra cá, também perdemos boa parte da receita das taxas assistenciais (ou taxas negociais), devidas pelos empregados em função das negociações coletivas que conduzimos. O Senge tem por hábito não cobrar taxas adicionais de seus filiados. E os ‘não filiados’ podem apresentar uma carta de oposição à taxa.
O que se percebe é uma certa aversão aos sindicatos. Um descolamento perigoso, vez que muitos representados não reconhecem a importância da Entidade Sindical e deliberadamente optam por não contribuir. Percebe-se que a questão é conceitual e não financeira. Já experimentamos cobrar valores simbólicos e, mesmo assim, o volume de oposições é bastante grande.
Mudar essa situação passa por aumentar o reconhecimento do sindicato por parte dos profissionais. É imprescindível que nossos representados enxerguem no Senge um parceiro que pode auxiliá-lo. É preciso que passemos de uma “despesa” para um “investimento” na ótica do Engenheiro.
O Senge é um sindicato forte, tem posições firmes e bem fundamentadas. Os argumentos que usamos são sólidos e os resultados para nossos representados são, na sua maioria, superiores a muitas outras negociações. O desafio está justamente aí: Fazer com que nossos representados entendam que os resultados que obtemos são consistentes e acima da média. Que nos reconheçam por isso e que entendam que é importante que cada profissional ajude a financiar o Sindicato, sob o risco de não haver quem o defenda no futuro.
O senhor é engenheiro da Copel. Conte como é sua trajetória da base da categoria até a presidência?
Leandro Grassmann: Sou Engenheiro formado há praticamente 26 anos e já atuei em diversas empresas e segmentos. Tive a oportunidade de aprender muito nos projetos que participei ou conduzi. Passei por áreas com direcionamento mais técnico, áreas comerciais, fábricas, prestação de serviços, entre outros. Isso me permitiu criar uma visão mais global de negócios.
Desde a formatura, só havia trabalhado em empresas privadas. Em 2010, após muitos anos protelando, decidi realizar um sonho da época da faculdade: Trabalhar na Copel. Fiz concurso, passei e iniciei minha jornada em 2010.
No entanto, já no primeiro ano de trabalho, percebi que haviam muitos problemas relacionados ao exercício da profissão. A Copel é uma empresa muito grande, com muitos profissionais de Engenharia. E, àquela época, tinha uma forma de gestão engessada. Arcaica, diria. Estrutura extremamente hierarquizada, profissionais com atribuições e autonomia reduzidos. Os critérios para promoções e participações em eventos ou cursos eram bastante subjetivos, dependendo do gerente imediato. Os salários eram baixos e o nível de satisfação geral dos empregados com as atividades profissionais e o ambiente de trabalho eram ruins.
Ao final de 2010 comecei a me envolver com o Senge. Inicialmente, cobrando por melhorias nas condições de trabalho e salário. Era época do ACT. Participei de uma comissão de empregados que discutiu com a empresa questões salariais. Conseguimos que os salários fossem corrigidos em cerca de 24% no primeiro semestre de 2011.
Como resultado e, entendo que como reconhecimento, fui convidado a integrar a Diretoria do Senge na gestão 2011-2014. Passei a participar ativamente de discussões de Acordos Coletivos de Trabalho, PLR, clima organizacional, salários e outros assuntos inerentes às relações de trabalho. Atuava pelo Senge em paralelo ao desenvolvimento de minhas atividades como Engenheiro da Copel.
A Copel tem uma cláusula em Acordo Coletivo que garante a liberação de um profissional das atividades laborais para atuar diretamente e de forma integral no Sindicato, sem prejuízo aos seus vencimentos, que continuam sendo pagos pela empresa. Em 2014, com o término do mandato e a decisão do então Presidente do Senge em abrir mão desta liberação, fui convidado a exercer as atividades no Senge em período integral, usufruindo da liberação prevista em ACT.
Na gestão 2014-2017 ingressei na Diretoria Executiva como Diretor Secretário. Em 2015, houve um remanejamento e passei a Diretor Financeiro, cargo que exerci até o final da gestão. Na atual gestão (2017-2020), sou Vice-Presidente.
O Senge-PR tem imposto uma série de “derrotas” à Copel tanto em questões financeiras e de terceirizações, como garantia de direitos e negociações salariais bem sucedidas. Tem algum segredo?
Leandro Grassmann: A Copel tem mais de 7000 empregados e 19 Sindicatos que os representam. O Senge representa cerca de 8% destes profissionais. O relacionamento com a empresa nem sempre é fácil. São milhares de trabalhadores, muitas expectativas. As negociações sempre ocorrem com a participação de muitos representantes da empresa e dezenas de Dirigentes Sindicais. Em algumas negociações, os Sindicatos atuavam de forma separada, cada um com sua estratégia. Obviamente haviam conflitos de interesse e ‘a empresa’ tirava proveito da situação.
Há mais de 10 anos, com raras exceções, as negociações ocorrem em conjunto. Os 11 Sindicatos mais representativos reúnem-se frequentemente para alinhar diretrizes e discutir as relações de trabalho. Somente após estes alinhamentos é que se discute com a empresa. Desta forma, ganhamos ‘corpo’ e conseguimos discutir e pressionar os gestores da empresa para obter resultados melhores.
Em 2012 houve uma greve dos empregados e recebemos uma série de argumentos da Diretora à época, que acabou por culminar com o encerramento do movimento. Posteriormente, descobrimos que os argumentos apresentados não correspondiam exatamente à realidade e que os ‘números’ da empresa, bem como trâmites internos foram distorcidos para conseguir o fim da greve. Como resultado, compreendemos que era necessário aprender mais sobre questões contábeis, relações com acionistas e com as entidades que regulamentam a permanência das ações da empresa em bolsa de valores. Os debates nas reuniões tornaram-se mais complexos e passaram a exigir mais dos Dirigentes e dos prepostos da empresa. Para os prepostos, não havia outro caminho senão adotar posturas transparentes. O canal de diálogo tornou-se mais saudável.
Ainda assim, algumas decisões dos gestores são tomadas sem que haja a devida negociação com os Sindicatos. Nestes casos, só nos resta o caminho judicial. E aí temos que contar com advogados preparados e experientes. Tanto o Senge quanto os demais Sindicatos possuem bons advogados em suas assessorias. Na maioria das vezes, as estratégias e ações judiciais são conjuntas.
O que observamos no relacionamento com a Copel é que a sinergia obtida pelo alinhamento prévio dos Sindicatos proporciona resultados favoráveis para os empregados. Paradoxalmente, conseguimos avançar em pontos de pauta individuais quando atuamos em conjunto. É a força de todos atuando em prol de cada um.
Como mobilizar a categoria da Engenharia sendo ela tão diversificada e atuando no poder público, privado e como autônomos?
Leandro Grassmann: Talvez seja esse o nosso maior desafio. O Paraná tem mais de 80.000 profissionais registrados no CREA, alocados em praticamente todos os setores produtivos. São interesses, expectativas e realidades distintas.
As negociações conduzidas pelo Senge abrangem somente uma parte desses profissionais, algo próximo a 10.000. E destes, menos de 3.000 são filiados. Além disso, existe uma condição cultural desfavorável aos Sindicatos, forjada há muitos anos por quem não quer interferências nas relações de trabalho.
Durante a campanha para as eleições, os Diretores, então candidatos, já deliberaram por uma série de ações voltadas à aproximação do Sindicato com os Engenheiros, incluindo os autônomos e PJ´s. Estas propostas fizeram parte da plataforma eleitoral: criar espaço para coworking no Senge, expandir a assessoria jurídica, estabelecer e publicar Tabela Referencial de Honorários, auxiliar novos profissionais na inserção no mercado de trabalho, manter estrutura de capacitação e treinamentos, estreitar relações com associações profissionais, atuar junto ao CREA em fiscalizações, aumentar opções de convênios, estabelecer parcerias com Universidades.
Este é o primeiro passo para mobilizar os profissionais. É imprescindível que o Senge seja uma referência. Necessitamos estar próximos e sermos lembrados como uma entidade que agrega valor.
A engenharia brasileira viveu um momento de ouro até à Lava Jato. Depois ela sofreu com a crise econômica e com o noticiário policial/político. O resultado disso é perda de empregos e de visão da engenharia nacional como estratégica para o desenvolvimento nacional? Como o sindicato pode colaborar na retomada de confiança do setor?
Leandro Grassmann: Tenho minhas dúvidas se a Engenharia chegou a ser efetivamente considerada estratégica para o desenvolvimento nacional nos últimos 50 anos. É certo que nossa profissão teve bons momentos, mas penso que a Engenharia foi a reboque da economia, na maioria das vezes. Houveram alguns programas de Governo que priorizavam a pesquisa e Engenharia nacionais, mas foram casos pontuais.
Há um problema crônico que nunca foi totalmente resolvido: a insuficiência de políticas públicas de longo prazo, voltadas à ciência, pesquisa, desenvolvimento e melhorias de condições básicas da população. Quantos Ministros de Ciência e Desenvolvimento foram oriundos das áreas de Pesquisa ou Engenharia? Quantos Secretários de Obras são Engenheiros?
Quando a economia vai bem, tudo vai bem. Mas, nos momentos em que a atividade econômica decai, sem políticas adequadas que ‘mirem’ no futuro, o País fica sem rumo. O investimento em pesquisa e os conhecimentos dos profissionais de Engenharia poderiam ajudar em momentos de crise, propondo soluções que mitiguem os efeitos da crise.
A Lava Jato foi a ‘pá de cal’ que faltava. Desmantelou empresas de Engenharia, sob o pretexto de serem ‘corruptas’. Oras… Empresas não são corruptas. Se alguém é corrupto é o gestor da empresa. E este deveria ser responsabilizado diretamente por suas ações. Punir o CPF, não o CNPJ!
O resultado é conhecido: Engenheiros sendo demitidos ‘em lote’, pequenas empresas que dependiam das gigantes da Engenharia fechando, obras deixadas pela metade.
Ainda não vivemos todos os desdobramentos e consequências da Lava Jato. Existem movimentos por vir, que vão se aproveitar da lacuna deixada pelas empresas e profissionais de Engenharia. Empresas estrangeiras estão ingressando no Brasil para prestar serviços. E trazem seus profissionais, incluindo Engenheiros, de seus Países de origem. Estamos vendo uma troca da Engenharia Brasileira (corrupta e incompetente, dizem) pela Engenharia estrangeira. Melhor remunerada e blindada de fiscalizações.
A melhora de confiança do setor passa obrigatoriamente pela adoção de um ‘rumo’ desenvolvimentista pelos Governos. É indispensável olhar para a Engenharia como um investimento, não despesa. Os resultados são obtidos em longo prazo, com a implementação de melhorias e obras. É prerrogativa do Senge promover a defesa da ciência, pesquisa e tecnologia nacional, e o seu desenvolvimento aplicado à melhoria das condições de vida do povo brasileiro.
Aliado a isso, é necessário valorizar a profissão e os profissionais de Engenharia e Geociências. O Brasil tem muitos profissionais capacitados e experientes. Quando tem condições de trabalhar adequadamente e com uma remuneração digna, produzem resultados que não devem nada a soluções internacionais.
A desregulamentação da profissão atinge, principalmente, os salários e as atribuições da engenharia. Qual é a sua posição sobre o assunto? É modernização do trabalho ou reserva de mercado?
Leandro Grassmann: Nem um nem outro. O pretexto de modernização vem sendo usado por quem tem interesse na desregulamentação ampla e irrestrita como forma de convencimento da população leiga. E não acontece somente com a Engenharia. Da mesma forma que se defende um ‘Estado Mínimo’, que não interfere no ‘Mercado’, deixando-o livre para atuar conforme seus interesses, as regulamentações profissionais são alvo de ataque. Primeiro eliminam-se as regras legais que formalizam uma profissão, depois deixa-se o ‘Mercado’ livre para contratar quem queira, como queira.
Essa situação já ocorre, mesmo com Leis que protejam a Engenharia. É comum ver Engenheiros contratados como PJ ou então em funções com nomes pomposos (Consultor, Especialista, Analista, Gerente de Contas, Pesquisador) como forma de desvincular do exercício da Engenharia, fugir da fiscalização e não pagar o Salário Mínimo Profissional.
Também existem empresas que trazem seus profissionais do exterior para atuar clandestinamente, normalmente em cargos de gerência. Estes profissionais não regularizam sua atuação perante os órgãos de fiscalização e, portanto, acabam sendo ‘invisíveis’. Em outras palavras, não se responsabilizam pelas obras que conduzem.
Ilude-se quem pensa que desregulamentar uma profissão aumenta as oportunidades e melhora as condições de trabalho. Muito pelo contrário! Sem fiscalização, estão abertas as portas para a contratação de ‘qualquer um’ a qualquer preço. Afinal, porque alguém pagaria mais caro por algo que pode ser oferecido por menos?
É preciso lembrar que, a exemplo de outras profissões, a Engenharia só pode ser exercida por quem detém o conhecimento e está autorizado a exercer estas atividades. Obras de Engenharia, não raras vezes, exigem cálculos e decisões complexas. Ademais, é necessário que um profissional se responsabilize pelo projeto e execução, vez que qualquer erro pode custar muito dinheiro e vidas.
Num mercado desregulamentado, especialmente num ambiente em que não há maturidade suficiente para discernir um bom profissional de um aproveitador, a tendência é que os serviços sejam precarizados, nivelando-se ‘por baixo’ a qualidade e remuneração.