Especialistas alertam para consequências do alto uso de agrotóxicos na região de Cascavel

Senge Paraná
15.MAIO.2018

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Quando o assunto é preservação da água e sustentabilidade ambiental, o alto uso de agrotóxicos aparece como fator preocupante. Foi o que o seminário “A Questão das Águas e a Sustentabilidade Ambiental na Região de Cascavel” mostrou no dia 10, no Centro Universitário Fundação Assis Gurgacz (FAG) de Cascavel. A iniciativa do debate partiu da Regional do Sindicato dos Engenheiros do Paraná em Cascavel (Senge-PR), e lotou o auditório da instituição.

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Na abertura do evento, o engenheiro civil e diretor-geral da Regional Nelson Müller Junior apresentou o objetivo do evento, enfatizando a intenção de abordar a questão das águas na região, as ações de proteção que têm sido desenvolvidas, os riscos presentes na realidade atual, em especial com relação ao uso de agrotóxicos. “Aqui ninguém é contra o uso de agrotóxicos, mas é preciso haver um controle”. E foi o que se viu e se ouviu ao longo das quase três horas de palestras e debates. Especialistas e profissionais de diferentes áreas apresentaram dados e casos relacionados ao tema.

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Angelo Mazutti, promotor de Justiça do Rio Grande do Sul, apresentou um quadro geral de dados relacionados à escassez de água no mundo: 663 milhões de pessoas vivem sem água potável em todo o planeta e 800 milhões de pessoas passam fome, na maioria das vezes em contexto onde há falta d’água.

Outro dado levou o promotor a relacionar a poluição da água ao uso extensivo de venenos: 72% da água no Brasil é consumida pela agricultura, atividade que é a principal causa de poluição hídrica. Além disso, o desperdício de água em irrigação é de 60%. “Nós estamos falando de um bem finito, que a maior demanda pela utilização dele está na atividade do agronegócio, e ele acaba não sendo devidamente manejado, seja por questões técnicas, seja pela ausência de uma política que inclua fomentos para a melhor utilização e essencialmente uma fiscalização das atividades finais que mais lucram. Com essa utilização desse bem finito que é água”, aponta.

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Como destaque para leis que tocam na preservação da água, Mazutti frisa a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Decreto 7.794/12), que tem no Artigo 3º a “promoção do uso sustentável dos recursos naturais”, e a Lei do Sistema Orgânico de Produção Agropecuária (Lei 10.831/03), que no Artigo 2º aponta o “uso saudável do solo, da água e do ar, e reduzir ao mínimo todas as formas de contaminação desses elementos que possam resultar das práticas agrícolas”.

Campeões em consumo de agrotóxicos

A médica sanitarista Lilimar Regina Nadolyny, da 10° Regional da Saúde, enfatizou a necessidade da ampliação do debate acerca do uso de agrotóxicos, uma vez que Cascavel ocupa uma posição preocupante no ranking do uso de venenos: o Brasil, desde 2008, é considerado o maior consumidor de agrotóxicos do planeta; o Paraná está entre os três primeiros no país; e a região de Cascavel é a que mais consome no estado.

De acordo com danos da Agência Paranaense de Defesa Agropecuária (ADAPAR) apresentados pela médica, em 2015, os 25 municípios integrante da regional de Cascavel comparam 13.902.300 quilos de agrotóxicos. A quantidade por hectare foi de 16 quilos e/ou litro, equivalente ao consumo de aproximadamente 25,7 quilos ou litro por habitante no ano – uma vez que a regional tem cerca de 600 mil habitantes. Já em Cascavel, no mesmo ano, foram comercializados cerca de 4.060.400 quilos de agrotóxicos, o que levou a aplicação de 32 quilos e/ou litro por quantidade por hectare de área plantada, gerando uma médica municipal e de 13 quilos e/ou litro por morador da cidade no ano.

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Dos 2012 a 2015, 132 municípios consumiram acima da média do estado, sendo Cascavel o maior consumidor, com média de 3.665 toneladas anuais. “Eu também gostaria de sair daqui e desse processo todo e descobrir que o agrotóxico não faz mal. Mas, como médica e como atuante na área de saúde pública, fico extremamente preocupada” diz.

Impactos à saúde humana

Para além dos dados alarmantes relacionados à venda formal, Lilimar Regina afirmou a identificação, por meio de pesquisas acadêmicas, de substâncias proibidas que entram na agricultura a partir de contrabando. “A família dos clorados está proibido porque é altamente cancerígenos, e nós encontramos traços desses produtos aqui na nossa região”.

Outra análise acadêmica identificou uma subnotificação dos casos de intoxicação por agrotóxicos, apesar dos expressivos dados consumo de veneno no estado. “Quando você aplica um questionário que rastreia e faz uma triagem no agricultor e em sua família, a constatação é de que eles tem isso frequentemente. Já sabem qual é o tipo de intoxicação, a época em que ocorre, e já têm um kitzinho para melhorarem os sintomas. Estes dados mostram a intoxicação aguda. A gente não tem a dimensão do que está acontecendo na crônica. Com estes dados é possível concluir que há uma importante subnotificação no problema dos agrotóxicos no Paraná”.

No entanto, apesar de subnotificados, os dados sobre intoxicação por agrotóxicos agrícola em Cascavel já acendem um sinal de alerta. Entre 2012 a 2017, foram 150 casos: 98 deles, como principal causa de intoxicação, estão as situações ocorridas de forma acidental, relacionado à rotina de trabalho; e em segundo lugar estão as tentativas de suicídio, com 37 casos; e a terceira causa é por uso habitual, com 12 casos.

“Várias composições dos organofosforados, que fazem parte de um conjunto grande de agrotóxicos, elas fazem depressão do sistema nervoso central. O indivíduo vai deprimindo, e não vai entendendo o por quê disso”. Ouvindo as famílias onde houve tentativa de suicídio, a médica indica a repetição de casos em que os familiares não conseguem indicar motivação dos casos.

Neste cinco anos, o Paraná notificou 3.691 casos de intoxicação por agrotóxico agrícola, com 144 óbitos (3,9%), sendo 5 deles ocorridos na região de Cascavel, por suicídio. As informações são do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), da Seção de Vigilância Epidemiológica (SCVGE) e da 10ª Regional de Saúde, com dados preliminares de 25 de abril de 2018.

Com esse levantamento na saúde, a conclusão da pesquisadora é de que o agrotóxico contamina e degrada o ar, o solo, a água, os lençóis freáticos e aquíferos, provoca danos à flora e à fauna, torna-se resistência à praga, também afeta o trabalhador, a família, aos que estão expostos diretamente, e toda a população. “Se as mortes evitáveis, essa situação é inaceitável”, contata a médica.

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O vereador de Cascavel Paulo Porto (PCdoB), também apresentou levantamentos relacionados ao índices de doenças que podem estar relacionados ao uso de venenos agrícolas. Em Serranópolis do Iguaçu, 31% dos óbitos da cidade em 2017 foram por tumores cancerígenos. Já em Missão, cerca de 27% da população está com histórico de maior ou menor grau relacionados a tumores cancerígenos, segundo dados do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES). Os dois municípios estão na região de Cascavel.

Um situação recorrente na região é a intoxicação de estudantes e professores de Escolas do Campo. Há três semanas, professores da Escola do Campo Aquiles Bilibio foram intoxicados por agrotóxicos. O veneno foi pulverizados a menos de três metros da instituição, conforme relatou o vereador, que denunciou o caso ao Ministério Público.

Em 2015, os poderes Legislativo e Executivo de Cascavel aprovaram a Lei 6.484, de autoria de Paulo Porto, que regulamenta o uso de agrotóxicos e proíbe sua utilização nas proximidades de escolas, Centros Municipais de Educação Infantil, núcleos residenciais e unidades de saúde.

Para o vereador, o alto consumo de agrotóxicos já ultrapassa o debate puramente ambiental. “É uma questão de saúde pública. Ou a gente sensibiliza a sociedade cascavelense e rompe o cerco midiático, que é financiado pelo agronegócio, ou não estamos enfrentando o problema”.

Para o futuro, umas das medidas sugeridas pelo vereador é a criação de um plano municipal de incentivo à agricultura familiar. De acordo com Porto, dos R$ 16.500 milhões gastos pelo município em merenda escolar, apenas R$ 2.500 milhões com agricultura familiar.

Contaminação da água

O Superintendente da Sanepar Renato Meyer Bueno, da gerência geral do Sudoeste, explicou que os casos de contaminação da água por agrotóxicos, que chegaram a interferir no abastecimento, foram por causas acidentais. De maneira geral, ele garante não haver prejuízo à qualidade da água.

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“O veneno pode estar na água, mas a diluição é tão grande que não chega a ser necessário parar uma estação de tratamento”, explica. Dentro dos 30 anos de trabalho na Sanepar, ele garante que nunca identificou problemas em análises posterior ao tratamento com relação ao veneno agrícola. Mas faz uma alerta: “O maior cuidado que tem que ter é com o cidadão que aplica aquele veneno”.

“A preocupação que nós temos não é com aquilo que é comercializado no Brasil, mas talvez como o uso inadequado, a quantidade que está sendo usada por hectare. Isso sim é que pode causar um problema muito mais grave do que provocar um problema muito mais grave”, aponta.

Entre os agrotóxicos mais perigosos, na avaliação do engenheiro, está o 2.4D, que classifica como “inadequado e indevido”: “Esse é um produto que tinha que ser extirpado do mercado, ele leva a muita distância pela sua volatilidade. é um produto que, dentro da prática agrícola, eu considero inadequado e indevido.

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Ana Paula Mourão Simonetti, representante do Colegiado do Curso de Agronomia da FAG, defendeu a troca do termo a agrotóxico por defensivo agrícola. “Mas é claro que, apesar de defenderem a lavoura, eles são químicos, são sintéticos, não são naturais. Por isso eu não posso deixar como engenheira agrônoma que isso seja usado de uma maneira excessiva. Não é isso que eu estou defendendo”.

Texto e fotos: Ednubia Ghisi, jornalista do Senge/PR

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