Em um contexto mundial de conflito, seja entre as classes sociais, seja entre as nações, com a crise do capitalismo ainda não resolvida, o acentuado declínio dos Estados Unidos e o esforço feito por eles para manter sua hegemonia, o historiador e professor Valter Pomar defende que o Brasil tem sido traído pela classe dominante que, através do golpe que culminou no impeachment da presidenta Dilma Rousseff, assumiu o governo brasileiro.
“Com o tamanho que nós temos, com a população, os recursos naturais e os recursos humanos que nós temos, a classe dominante deveria agir para reduzir os conflitos sociais, possibilitando aumentar a coesão social interna, criando as condições para um projeto de desenvolvimento com soberania nacional, igualdade e democracia, que permita ao país sobreviver nesse ambiente mundial”, defende. Na opinião do historiador, a classe dominante tem patrocinado medidas que afetam os interesses nacionais, retiram direitos, aumentam o desemprego e eliminam políticas públicas. “A consequência é o aumento do conflito”, afirma.
Valter Pomar acredita que essa postura dos que dominam o poder político e econômico brasileiro acontece porque a soberania nacional não é de interesse desse setor. “Essa classe dominante extrai sua riqueza da desigualdade social, da dependência externa, da ausência de democracia e de um desenvolvimento limitado. Ela não é uma classe dominante que necessite da soberania nacional para ganhar dinheiro”, explica.
A classe dominante brasileira sobrevive com a exploração avançada dos trabalhadores. Os avanços na tecnologia e o crescimento econômico não se refletem em melhores salários, nem em melhores condições de trabalho. “Nós temos empresas de roupa que estão nos melhores shoppings, e que convivem com trabalho escravo. Nós temos figuras que arrotam poderem viajar em ótimas condições e que acham um absurdo pagar um salário e registrar a trabalhadora doméstica na sua casa”, destaca.
Permanecer nesse ambiente social de conflito, de acordo com o historiador, é consolidar uma guerra civil de baixa intensidade, como as que já existem em algumas cidades brasileiras, “que a gente trata como se fosse um problema de ordem pública, de segurança pública, e não um imenso conflito prestes a explodir”.
O golpe a conciliação de classes
Para Valter Pomar, o golpe que resultou na crise política, econômica e social atual, e que se aprofunda com as medidas adotadas pelo governo ilegítimo, foi um golpe contra os êxitos, visando impedir o que poderia vir a ocorrer. No entanto, defende o professor, “foi vitorioso por causa dos erros cometidos, entre os quais eu considero que o principal pode se resumir na palavra conciliação”.
“Tivemos a crença de que a classe dominante quer desenvolvimento e soberania, a crença de que a classe dominante ia respeitar a democracia e o voto, a crença de que os trabalhadores poderiam usar os mesmos meios e instrumentos que os do lado de lá utilizam para governar, e a crença de que as potências imperialistas iam assistir o surgimento, a nossa entrada na passarela com graça e desenvoltura, sem fazer nada”, desabafa.
Construção de novos caminhos
Valter Pomar defende que é preciso lutar para evitar que a atual situação se consolide e revertê-la, apontando um outro caminho. “Precisamos contribuir para construção de uma maioria cultural, política e social no Brasil, disposta a um outro curso, que não seja neoliberal. Porque o modelo neoliberal não oferece perspectiva de futuro para a maioria da população brasileira”, afirmou.
De acordo com o historiador, esse novo caminho deve contemplar: a elevação de maneira rápida, continuada e permanente a vida material e cultural do povo brasileiro; crescimento industrial, oferecendo condições econômicas para uma elevação sustentável do padrão de vida da classe trabalhadora; protagonismo do Estado; realização das reformas estruturais, como a financeira, agrária, urbana, tributária, política, do setor energético, judicial e da segurança pública e a democratização da comunicação; e o esforço massivo de políticas públicas.
Para o professor, não devemos nos limitar a implementar o programa do Congresso Constituinte de 1988, como foi feito entre 2013 e 2016. “A constituição de 88 não agrada a classe dominante, nunca agradou. Mas, ela também é insuficiente do ponto de vista daqueles que querem melhorar de maneira profunda e consistente a vida do povo brasileiro”.
Texto: Marine Moraes (Senge-PE)
Edição: Carolina Guimarães (Senge-BA)
Foto: Joka Madruga/Fisenge