Por Camila Marins, da Fisenge.
O número de desligamentos de engenheiros diminuiu no ano de 2016, de acordo com dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados do Ministério do Trabalho e Emprego (Caged/MTE). No entanto, mesmo com a diminuição do número de desligamentos, a perda de postos de trabalho aumentou. Isso significa que as empresas promoveram um enxugamento e não fizeram a reposição dos quadros. As informações são válidas para engenheiros registrados pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e foram elaboradas pelo Departamento Intersindical de Geografia e Estatística (Dieese).
Até outubro de 2016, no Brasil, foram desligados 39.069 engenheiros e admitidos 24.253. Em 2015, foram admitidos 35.890 e 54.731 engenheiros demitidos. Já um estudo do jornal “O Estado de S. Paulo” apontou que mais de 5 mil obras estão paralisadas em todo o país, num total de investimentos de mais de R$15 bilhões. Demissões, paralisações de obras e desmonte da engenharia nacional são alguns dos elementos que compõem o atual cenário econômico impulsionado pela crise política. De acordo com o diretor técnico do Dieese, Clemente Ganz, o cenário econômico é ruim e está condicionado (ou contaminado) pelo ambiente político. “Toda a conjuntura, inclusive a crise institucional entre os poderes, só faz aprofundar os problemas, na medida em que deteriora o ambiente de negócios. Além disso, continuamos com a taxa de juros nas alturas e o consumo reprimido devido ao desemprego e à queda dos salários”, afirmou.
A Operação Lava Jato tem promovido a destruição das empresas nacionais de engenharia, em vez de punir as pessoas responsáveis pelos atos de corrupção. “Obviamente que todas as pessoas corruptas devem ser exemplarmente punidas, mas destruir toda uma empresa é uma tragédia para o país, para a engenharia nacional e para toda a produção tecnológica”, afirmou o presidente da Fisenge, o engenheiro civil e sanitarista Clovis Nascimento. Evidentemente que outros fatores contribuíram para a desaceleração econômica, como a economia internacional e a queda de 3,5% do Produto Interno Bruto (PIB), em 2015, fazendo com que a taxa de desemprego mais que dobrasse.
“Grande desemprego traz duas consequências imediatas: a queda dos salários e a redução do poder de barganha dos sindicatos na mesa de negociação. As negociações coletivas sofrem sensíveis mudanças no que diz respeito à correlação de forças, com os sindicatos preocupando-se mais com a manutenção dos empregos do que com os ganhos salariais. Setores econômicos que foram mais fortemente atingidos com a desaceleração da economia tendem a endurecer as negociações e tornarem-se mais intransigentes no que diz respeito a aumentos salariais. De outro lado, categorias profissionais menos organizadas não conseguem mobilizar os trabalhadores da base para um enfrentamento mais forte com o patronato. O reflexo desse cenário do embate capital/trabalho acaba por deprimir os salários e reduzir a renda dos trabalhadores”, explicou Clemente.
De acordo com balanço do Dieese, no primeiro semestre de 2016, menos da metade das negociações coletivas resultaram em ganho real. Apenas 24% das unidades de negociação analisadas pelo Dieese conquistaram ganhos reais aos salários, segundo comparação com a inflação medida pela variação INPC-IBGE. Os ganhos foram, em sua maioria, de até 0,5%.
Segundo Clovis Nascimento, o momento é de somar forças para a defesa dos direitos dos engenheiros. “A maioria do Congresso Nacional defende uma série de propostas que atacam os direitos dos trabalhadores, como a prevalência do negociado sobre o legislado, por exemplo. Se aprovada, todos os direitos garantidos na CLT e especificamente para os engenheiros na lei 4.966-A/1966 serão extintos”, alertou o presidente da Fisenge.
A expectativa de reversão do quadro econômico é pessimista. Segundo Clemente, os indicadores de crescimento, que costumam melhorar no segundo semestre, não responderam positivamente em 2016, o que compromete o início e, talvez, todo o primeiro semestre de 2017. “Projetos como o da terceirização; da prevalência do acordado sobre o legislado nos embates entre o capital e o trabalho; a supressão da ultratividade das normas dos acordos e convenções coletivas; a ausência de um debate público mais amplo, no caso da reforma previdenciária, e outras medidas compõem um quadro perigoso que ameaça os direitos duramente conquistados nos últimos anos. Resta à sociedade organizada, nesse contexto, fazer uma luta de resistência, deixando claro que, em relação a certos temas, não se transige”, afirmou Clemente.
O presidente da Fisenge, Clovis Nascimento, é enfático: “É preciso resistir! Resistir em defesa da engenharia nacional e do Brasil”.
Negociado sobre legislado ameaça Salário Mínimo Profissional dos Engenheiros
Uma proposta dentro do projeto de “modernização” trabalhista do atual governo federal ameaça o Salário Mínimo Profissional dos Engenheiros: a prevalência do negociado sobre o legislado. Se aprovada, leis não terão valor diante da negociação de acordos e convenções coletivas. Isso significa que a lei 4.950-A/1966 não terá validade diante de acordos rebaixados.
O projeto de flexibilização da CLT foi elaborado e proposto durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, durante o mandato do então Ministro do Trabalho, Francisco Dornelles (PP-RJ). O relator na Câmara foi o ex-deputado e atual ministro do TCU, José Múcio Monteiro (PTB-PE).
Em 2001, depois de aprovado pela Câmara dos Deputados, no Senado recebeu o número PLC 134/2001. Em 2003, o então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, enviou a Mensagem nº 78/03 requerendo a retirada desse projeto, posteriormente arquivado. Em outubro de 2015, o documento “Uma ponte para o futuro”, do PMDB, aponta a necessidade da aprovação do negociado sobre o legislado, proposta defendida pelo governo não eleito de Michel Temer.
De acordo com o presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, Germano Silveira, a supressão dos direitos sociais é apenas um dos prejuízos dessa proposição. “Ou o parlamento reconhece isso ou a discussão vai ser resolvida no STF. A proposta garante a supremacia de acordos coletivos sobre a legislação trabalhista, deixando o trabalhador muitas vezes a depender de negociações coletivas onde são ajustadas cláusulas inferiores ao mínimo legal. Segmentos empresariais têm interesse em aprovar tal medida para que direitos atuais não sejam mais considerados como tal, mas sim apenas meras ‘concessões’ aos trabalhadores, explicou.
Sobre os direitos específicos de determinadas categorias como o Salário Mínimo Profissional de Engenheiros, o presidente da Anamatra afirmou que muitas profissões, a exemplo da de engenheiros, têm normas jurídicas específicas, mas que devem estar de acordo com o que a Constituição Federal prevê, que é a alteração de direitos apenas no sentido de beneficiar o trabalhador. “Essa é a lógica, do ponto de vista que defendemos, à luz da Constituição. Caso haja movimento em sentido contrário e venha ganhar corpo, a eficácia da 4950-A (remuneração de profissionais diplomados em Engenharia) poderá estar comprometida por acordos coletivos, sim. Há esse grande risco, daí a importância de uma ampla mobilização da sociedade contra essa ideia. Acordo e convenção coletiva foram concebidos para acrescentar direitos, não para reduzi-los.”, enfatizou Germano.
Ultratividade acaba com direitos adquiridos
O cenário é desfavorável para o próximo ano. Tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) um conjunto de ações que propõe a prevalência do princípio de ultratividade das convenções e dos acordos coletivos. Isso significa o fim da continuidade dos acordos e das convenções coletivas após a data-base. Se essa regra deixar de existir, basta que as empresas se recusem a renovar acordos já assinados e todos os direitos deixarão de valer. Desta forma, uma nova negociação terá que ser iniciada para lutar por benefícios já conquistados anteriormente. Para reforçar a segurança patronal, os sindicatos, de acordo com a proposta, não poderão pedir arbitragem da Justiça do Trabalho, uma vez que o dissídio coletivo só pode ser instaurado com a participação das duas partes.
Reforma da previdência adia aposentadoria de brasileiros
No dia 6/12, o secretário de Previdência Social do Ministério da Fazenda, Marcelo Caetano, anunciou a Reforma da Previdência. “O Brasil envelhece. E isso é bom por um lado. De acordo com o IBGE, existem 12 idosos (acima de 65 anos) para 100 pessoas em idade ativa (10 a 64 anos). Em 2060, ainda segundo o IBGE, esse número deve subir para 44. Precisamos reformar a previdência para manter a previdência. O processo de envelhecimento no Brasil é tão intenso que ficaremos mais velhos que EUA e próximos a uma estrutura demográfica europeia no futuro. Não é só uma discussão sobre futuro, é também de presente”, afirmou o secretário durante o anúncio.
No entanto, esse déficit, argumentado pelos porta-vozes do governo federal, é contrariado por diversos especialistas. A economista e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Denise Gentil, é uma delas. “A quem interessaria fazer a reforma? Eu identifico quatro setores. Em primeiro lugar, os bancos, porque a cada anúncio do governo sobre reforma da previdência, a carteira dos fundos de previdência dos bancos fica maior. As pessoas se sentem impelidas a irem a um banco fazer previdência privada, porque acham que a previdência pública não garantirá uma renda de sobrevivência digna no futuro”, pontua. Outro setor apontado por Denise Gentil são os proprietários de títulos públicos. “Quem são os proprietários de títulos públicos? São os próprios bancos. É o capital estrangeiro que compra títulos públicos, os fundos de previdência, cujos ativos são todos empregados em títulos públicos. As famílias de alta renda, que compram títulos públicos, fazem uma grande pressão por reforma da previdência. Porque se o governo comprime esses gastos, elas se sentem seguras de que vai haver um excesso de arrecadação pro pagamento de juros”.
De acordo com Denise, o governo gastou, no ano passado, 501 bilhões de reais com o pagamento de juros, equivalente a 8,5% por cento do PIB. Enquanto isso, o governo gastou com a previdência 383 bilhões de reais, o que beneficiou 29 milhões de pessoas. “A reforma que precisa ser feita é a da política monetária, e não a reforma da previdência. Porque é a política monetária que está causando o crescimento da dívida pública”, disse Denise.
O terceiro grupo interessado na reforma da previdência, segundo a especialista, são os burocratas do setor público. “Os burocratas que defendem essas ideias conseguem cargos e posições elevadas dentro do governo. Consequentemente, são assediados pelos lobbies, o que traz uma sensação de poder. Essas pessoas têm essa necessidade de defender a reforma da previdência e andar conforme a onda da elite financeira do país”, destacou. Já o quarto grupo interessado são os congressistas. “Estes estão decidindo, frequentemente, de costas para as necessidades da coletividade e de frente para os bancos. De frente para o setor financeiro”, afirmou.
Hoje, o sistema de previdência é solidário. Isso significa que a remuneração das pessoas que se aposentam é paga pelos trabalhadores ativos. Nenhum trabalhador ganhará menos que um salário mínimo. “O governo também está propondo aumentar a idade de acesso a esses benefícios, sob a justificativa de que a população também está envelhecendo. Mas, de fato, o governo vai provocar uma grande injustiça na sociedade brasileira, porque a idade em que as pessoas morrem, ou seja, a expectativa de vida entre as pessoas, é muito heterogênea no Brasil. Na média, um brasileiro vive 75 anos. Mas, se você vai para o Nordeste, uma pessoa que nasce, por exemplo, no Maranhão, Alagoas e Piauí vive uma média de até 65 anos. Quando você cai para uma idade única em todo o país, 75 anos para todos, você está dizendo que grande parte da população do Nordeste e do Norte do Brasil não conseguirá se aposentar”, esclarece Denise. A especialista ainda destaca que quem vai se aposentar, vivendo muito menos tempo aposentado, são as populações das regiões sudeste e sul, que são as regiões mais desenvolvidas, que têm mercado de trabalho formalizado e salários mais elevados. “O governo está agindo como se todos fossem iguais, tentando estabelecer uma idade mínima num país que tem condições de vida absolutamente desiguais”, argumentou Denise Gentil.