Desafios ao setor elétrico brasileiro para a transição energética

O modelo proposto é para beneficiar bilionários ou o povo brasileiro?

Alexandre Marchetti/Itaipu Binacional
Comunicação
15.JAN.2024

Por Sérgio Inácio Gomes*

Os desafios para a transição energética representa um importante debate que precisa ser feito pela engenharia e sociedade brasileira, sendo um tema central pautado pelos grandes fóruns mundiais. Um exemplo é a recente Conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas, a COP 28, que ocorreu em novembro de 2023, nos Emirados Árabes. No evento, o governo brasileiro fez empolgantes discursos acompanhados de negociações promissoras de investimentos internacionais assumidas por diversos países em relação ao Brasil diante de tais desafios.

Porém, quais desafios seriam esses? Será que os desafios colocados à transição energética consiste apenas em rediscutir tecnologias ou redefinir a matriz elétrica do país, priorizando fontes eólicas ou solar ou a hidroeletricidade?

Muitas pessoas são levadas a pensar dessa maneira com o entendimento de que o debate sobre os desafios para a transição energética é uma discussão sobre tecnologias e não uma profunda discussão política, que dialoga com os desafios para inclusão social.

Esse tipo de compreensão pseudo-tecnocrática precisa ser tensionada, pois distorce ou desvia o entendimento sob tais aspectos de interesse social, que são os aspectos mais relevantes no debate, e simplifica a discussão sob a ótica de uma suposta “competição” entre modalidades dentro de determinado grupo de energias renováveis: eólica, solar ou a hidroeletricidade etc.

Discutir transição energética é papel da engenharia

Parte de princípios da física ou da engenharia equivocados para sustentar afirmações como se fossem verdades tecnológicas indiscutíveis. Temos a obrigação de cidadania e de profissionalismo desmistificar tais “verdades absolutas” e cristalizadas com vistas à transição energética, pois tais entendimentos se desdobrarão na forma de projetos estruturantes como políticas públicas ao setor elétrico, com todo o devido e merecido respeito aos colegas que pensem diferentes de nós, pois é muito positivo e natural que tenhamos divergências mesmo, mas não podemos tratar quem pense diferente de nós como se inimigos fossem, mas sim como companheiros(as) que são.

Sendo assim, com base em tais entendimentos, determinadas modalidades como eólicas ou solares, são a princípio consideradas como fontes “limitadas” em função do problema da intermitência, que todas as modalidades possuem, inclusive a hidro e a termoeletricidade. E daí diferenciam grupos das mais confiáveis e menos confiáveis, que seria o mesmo sentido de melhor ou pior, atribuem-se nomenclaturas supostamente técnicas como energias “FIRMES” ou “COMPLEMENTARES”, ou ainda “PERMANENTES” ou “INTERMITENTES”. Enfim, um pensamento, tecnicamente equivocado e inverídico.

A ex-presidente Dilma Rousseff disse o seguinte, no dia 26 de setembro de 2015, na ONU: “O dia em que tivermos tecnologia para estocar vento, todos nós seremos beneficiados”.

Essa frase tornou-se motivo de chacota nacional na boca dos ignorantes embalados ao sabor dos interesses políticos de seus opositores como se essa frase não fosse verdadeira sob o ponto de vista da própria física e da engenharia.

Não só é necessário estocar vento, mas também é necessário estocar SOL. E nós, da engenharia, temos o dever e a obrigação de saber que isso é possível, adequado e necessário quando se fala em transição energética e deve ser traduzido na forma de políticas públicas estruturantes ao setor elétrico brasileiro.

Energias renováveis e seus limites

Primeiramente, o que o problema da “intermitência” das energias renováveis e como resolvê-lo. Precisa-se de entendimento adequado e vontade política do Estado e do governo brasileiro para resolvê-lo sob a ótica do povo brasileiro e não dos banqueiros, que assaltaram esse setor.

Temos que aprender a projetar, calcular e dimensionar tais equipamentos para estocar vento e sol. Na qualidade de professor de energias renováveis, ensino meus alunos a calcular e dimensionar as características de uma usina gravitacional em estado sólido ou líquido que resolve esse tipo de problema. Um exemplo de usina gravitacional são as assim chamadas “usinas reversíveis”, que a maioria dos países pelo mundo afora possuem, mas o Brasil, que é um país de geração preponderantemente hidroelétrico, tem muito o que construir com tais possibilidades.

Essas usinas são “estocadoras” (armazenadoras) de vento e sol e qualquer outra modalidade de energia renovável em grandes quantidades. Porém, de novo, requer vontade política para executá-las sob a ótica do interesse social.

Os equivocados conceitos sobre o que é energia FIRME ou COMPLEMENTAR, que tem sua validade sob a ótica da operação do sistema elétrico, são compreendidos muitas vezes, como se fossem verdades sob os fundamentos da física ou da engenharia. Uma hidroelétrica a “fio d’água”, sem reservatório algum, é intermitente, incapaz de oferecer energia FIRME ou duradoura (ou PERMANENTE), pois sem o armazenamento da energia primária, que no caso é a água, torna-se dependente da boa vontade de São Pedro, ou seja, intermitente.

Portanto, a hidroeletricidade, tradicionalmente falando, procura eliminar o problema da intermitência em seu projeto de concepção original, com a adoção de um grande sistema de armazenamento, que é o seu reservatório. Essa é a maneira de estocar energia hidráulica em sua forma primária. Uma vez resolvido o problema da ESTOCAGEM de energia hidráulica passam a ser consideradas energias “FIRMES”, enquanto outras fontes renováveis que possuem o problema da intermitência por falta de ESTOCAGEM adequada, são consideradas energias “COMPLEMENTARES” como se não fosse tecnicamente possível transformá-las igualmente em energias FIRMES.

Foto: Alan Santos/PR

Mais uma vez, a política e os interesses econômicos

Em resumo, o grande desafio da transição energética não é o problema tecnológico, mas sim o problema político. É importante compreender que como o futuro se conecta com o passado e o presente, que tenhamos em mente que o Brasil e dentro dele, o Paraná, fez imensos investimentos com recursos públicos para estruturar tudo que existe no atual sistema elétrico do país e do estado.

Grandes hidrelétricas conectadas por longas e diversificadas malhas de linhas de transmissão e subestações foram construídas e o país passou a ter um sistema elétrico com alto índice de confiabilidade e esporádicos problemas em termos de descontinuidades no suprimento energético.

Desde 1954, quando o governador Bento Munhoz da Rocha Neto resolveu criar a Copel para ser indutora do desenvolvimento social e econômico do estado e, principalmente, garantir o processo de industrialização que se sucedeu desde então, a ênfase sempre foi a de “plantar para colher no futuro”. Atualmente, quem colhe os frutos são os banqueiros, principalmente bilionários estrangeiros, enquanto o povo brasileiro paga umas das tarifas de energia elétrica, entre as mais caras do planeta.

Além de pagar tarifas caras, também a qualidade da prestação de serviços das empresas de energia elétrica é horrível. Só nos últimos anos houveram apagões sem nenhum precedente histórico no setor elétrico do país desde o final dos anos 1960, quando o estado brasileiro realizava grandes investimentos na busca futura de prosperidade e de desenvolvimentismo do país.

A energia elétrica de péssima qualidade que é oferecida hoje ao povo brasileiro produz lucros e dividendos extraordinários que são distribuídos aos bilionários do planeta.

Sendo assim, o maior de todos os desafios colocados para a transição energética é: como desprivatizar o setor elétrico brasileiro e devolvê-lo a seu legítimo proprietário, o povo.

O Estado banca de novo?

Com vistas à transição energética, será que retomar a construção de outra grande rodada de empreendimentos com vultuosos investimentos a serem feitos pelo estado brasileiro com novas ou velhas modalidades de geração de energias renováveis, que podem ser hidroelétricas, eólicas, solares, PCHS, biomassas, entre muitas outras será garantia de que seus benefícios retornarão ao povo brasileiro?

Quantas hidrelétricas o povo brasileiro construiu para depois serem assaltadas pelos banqueiros e bilionários nacionais e transnacionais que se apropriaram e são os atuais beneficiários de tais patrimônios públicos? Quais serão as garantias de que agora em diante, tudo será diferente?

Esse será o tema de um grande seminário acadêmico e comunitário, que estamos organizando com a nossa participação e de diversas organizações de movimentos sociais, acadêmicas e comunitárias que irá acontecer em Foz do Iguaçu, entre os dias 22 a 25 de abril.

Com esse evento, pretendemos apresentar à Itaipu Binacional e ao Governo Federal, dois importantes e simbólicos projetos estruturantes ao setor elétrico brasileiro com vistas à transição energética, mas cuja característica mais importante a se destacar para finalizar esse artigo, não são seus aspectos técnicos, que são inovadores no sistema elétrico, mas sim pela necessidade de que tais projetos estruturantes sejam geridos pelo cooperativismo popular de forma autogestionária segundo os princípios da economia solidária voltado às comunidades ribeirinhas, quilombolas, povos originários (indígenas) e atingidas por barragens das imediações da bacia hidrográfica do Rio Paraná.

Essa é a política de desprivatização que teremos que adotar para um futuro que se construa de fato com base no desenvolvimento sustentável, coerente com a ODS número 7 e diversas outras.

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(*) Professor de Engenharia Elétrica do Campus Paranavaí do IFPR, Engenheiro eletricista, Doutor em Eng. Química, Diretor do Sindicato dos Engenheiros (SENGE/PR).

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