O Sindicato dos Engenheiros no Estado do Paraná (Senge-PR) promoveu no sábado, 18, as palestras Conjuntura Nacional e Cultura Política Nacional, ministradas pelo deputado federal paranaense Aliel Machado (PC do B) e o professor-doutor em Antropologia Jurídica e Direito das Relações Sociais pela UFPR, Ricardo Prestes Pazello.
Os eventos fizeram parte da reunião do Conselho Deliberativo da entidade, que reuniu, em Curitiba, filiados ao sindicato e a direção da entidade de todo o Estado (da sede e regionais de Ponta Grossa, Campo Mourão, Maringá, Londrina, Cascavel, Francisco Beltrão, Pato Branco e Foz do Iguaçu).
Ao falar sobre a cultura política nacional Ricardo Prestes Pazello disse que, neste momento de crise, a sociedade brasileira sente o efeito de um processo que tem raiz no capitalismo e berço na aristocracia conservadora que se mantém no Brasil desde o Período Colonial. “1492 é a marca do surgimento do capitalismo, com a possibilidade de acumulação de capital com o processo de expansão bélica e ultramarina europeia e de conquistas territoriais. A colonização das Américas foi um dos fatos essenciais à consolidação do capitalismo e do modo de vida que levamos hoje”, ressaltou.
De acordo com o professor, foi a estratégia colonialista que permitiu a expansão do modelo baseado no capital. “O nosso mundo passou a ser formado por três cortes estruturais que têm a ver com a divisão do trabalho, que gera as classes sociais, com a polarização entre a trabalhadora e a burguesa; a divisão racial do trabalho, na formação periférica do capitalismo e na reformulação patriarcal do trabalho. Foram cortes estruturais da sociedade derivados do processo capitalista: racismo, patriarcado e o próprio capitalismo entendido como relação entre classes”.
Ricardo Prestes Pazello afirmou que continuamos sendo uma sociedade marcada pelo patriacado, pelo racismo e a divisão do trabalho entre proprietários e não proprietários dos meios de produção.
Neste processo de formação do que ainda hoje caracteriza a chamada burguesia brasileira, Pazello citou a obra “A Revolução Burguesa no Brasil” do sociólogo Florestan Fernandes. “Nesse sentido, Florestan Fernandes diz o seguinte: ‘há uma continuidade da aristocracia latifundiária do século XIX no processo de construção da burguesia no século XX. E essa continuidade faz com que tenhamos uma consolidação conservadora da dominação burguesa”, destacou o professor.
Pazello aponta como características dominantes dessa classe a preferência por mudanças graduais e “composicionais” (de composição), só aceitando oposição vinda de cima e dentro da ordem, marcada pela autocracia (autoritarismo), profundo sentido de reacionarismo e ultraconservadorismo.
O professor ressalta que, em face de qualquer resposta revolucionária, no sentido de deslocar a posição social dessa aristocracia burguesa, sempre há uma resposta ultraconservadora e reacionária. “A resposta das classes dominantes brasileiras às pessoas que sofrem é sempre a ‘contrarrevolução autodefensiva permanente’, conforme denominação de Florestan Fernandes”, completa Ricardo Prestes Pazello ao reafirmar que na formação histórica da realidade brasileira há um conservadorismo latente em nossa sociedade que se expressa pelas características da ‘colonialidade’ e da formação de uma burguesia aristocrata.
Pazello lembrou que a cultura política conservadora se fortaleceu nos idos de 89 como necessidade de se contrapor às respostas dadas até então ao capitalismo pelas forças socialistas. “Essa reação, mobilizada no final do século XX, pareceu consolidar a resposta neoliberal para organizar a economia mundial. No caso brasileiro implicou na necessidade de destruir tudo o que foi acumulado na época do ascenso das forças sociais e políticas de esquerda, na década de 80. Houve então no Brasil o fim da hegemonia cultural de esquerda, na formulação da interpretação da realidade nacional, que sempre prevaleceu nas artes, nas universidades e na mobilização política”.
Em lugar disso, segundo o professor, nasceu a cultura do imediatismo, a chamada “celebração do capitalismo”. “Um imediatismo que se traduz no consumismo, na midiatização da realidade (é realidade aquilo que os meios de comunicação dizem que é) e, ao mesmo tempo, o reencantamento do mundo com o ascenso de teologias conservadoras. Essa trinca (consumismo, midiatização e teologia conservadora) são um pouco do nosso mundo nos últimos anos”.
Para Ricardo Prestes Pazello, “o hoje” se caracteriza pela necessidade de rediscussão das ações dos chamados atores de esquerda, já que o período dos últimos 12 anos foi caracterizado, segundo aponta André Singer, por um pacto conservador. Para fazer essa reflexão, na opinião do professor, é preciso olhar para os atores e para o cenário. Ele considera que junho de 2013, por exemplo, representou um momento da organização das classes populares do Brasil. “Foi um momento em que não tinham mais como segurar as reivindicações sociais. E quem estava lá? Jovens formações das classes populares, que alguns chamam de precariado, batalhadores, sub-proletariado, pobretariado, nova classe perigosa ou nova classe média. Estavam lá, mas sem organização política, o que gera a necessidade de se pensar como isso se dá nos campos políticos e econômico. O alerta para o perigoso economicismo, a partir da integração feita pelo consumo feita nos últimos 12 anos. Olhar para a realidade, ver melhoras na vida econômica das pessoas e achar que isso vai se refletir em organização política, avanço de consciência de classe e possibilidade de superação do conservadorismo latente. Outro perigo da análise é ficar apenas no politicismo, achar que o efeito econômico não reflete no social.”
Na opinião de Ricardo Prestes Pazello, no campo político nacional, os últimos seis meses representaram o que considera a Idade Média na Política. “PEC da Bengala; terceirização, sabatina do Fachin, contrarreforma política, redução da maioridade penal, PPE (Programa de Proteção ao Emprego) e ajuste fiscal. São sete dimensões que mostram a Idade Média que foi vivida em seis meses no Brasil. A realidade brasileira hoje está marcada por um ascenso conservador, uma característica latente por conta do imediatismo que é a resposta para as mazelas do capitalismo. A nova direita é hoje formada pelas instâncias agitativa (MLB, Vem pra rua e Revoltados online); a instância formadora, coordenada por institutos e a articuladora.
Reformas estruturantes – Em sua palestra, o deputado federal paranaense Aliel Machado avaliou as ações do Congresso no último semestre. Para ele, a situação de crise se dá pela ausência das reformas estruturantes necessárias ao país. A eleição do deputado Eduardo Cunha à presidência da Câmara Federal, fruto de aliança do próprio governo, hoje, na opinião do parlamentar paranaense, contribui negativamente para a disseminação de um quadro de intolerância junto à sociedade brasileira.
“Essa liderança velada de Eduardo Cunha tem tomado grande proporção sendo ele um ícone que representa o lado liberal, conservador, preconceituoso que está em todas as cidades. Nos últimos anos esse movimento se escondeu. Estava sendo fortalecido e agora teve a oportunidade de mostrar a cara. É um momento preocupante que no Congresso leva à apresentação de pautas conservadoras que colocam em risco a própria democracia”, observou.
Na opinião de Aliel Machado o Brasil vive o momento de crises política e econômica que se potencializaram até mesmo por equívocos do próprio governo. “Perdemos uma disputa política quando o governo, pressionado, decidiu mexer na estratégica econômica. A política de distribuição de renda realizada nos últimos anos proporcionou a ascensão de mais de 40 milhões de pessoas das classes mais pobres para a classe média, mas ao mesmo tempo fortaleceu os ricos e transferiu a conta para a parcela do meio da população. Não houve as necessárias reformas política e nem da mídia.
Para ele, é necessário que o governo federal supere os erros estratégicos com investimento no crescimento da economia, na realização das reformas necessárias, mas não a qualquer custo. “Prefiro perder uma eleição, mas educar a população e ser eleito com uma proposta real de avanço do que defender um projeto de poder”.
O deputado considera que o momento político é importante porque dá a possibilidade de debater o verdadeiro papel do Estado. “Já tivemos avanços importantes com a eleição de um presidente que veio da classe popular. Temos que atuar nos momentos de turbulência para mudar. Vivemos uma crise de formação de lideranças, mas que é possível vencer com investimento na formação política. As conquistas históricas de deram a partir de enfrentamentos e preconceitos tiveram que ser vencidos. É necessária a mão forte do Estado pela diminuição das desigualdades e em fazer que o que é produzido chegue às mãos de todos”, disse Aliel Machado.