Reforma da previdência: Trabalhadores com o futuro na corda bamba

Senge Paraná
21.FEV.2017

Aos 22 anos, um jovem engenheiro sai da universidade e ingressa imediatamente em um trabalho com carteira assinada. Ao longo da carreira, muda de vínculo empregatício algumas vezes, mas consegue o feito de ter 35 anos ininterruptos de contribuição previdenciária. As mais de três décadas de trabalho lhe dão direito a aposentadoria por tempo de serviço. No caso de uma trabalhadora mulher, esse tempo de contribuição é de 30 anos.

Os termos do direito previdenciário garantidos hoje para engenheiros e trabalhadores no geral sofrerão alterações profundas, caso seja aprovada a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287, de iniciativa do governo de Michel Temer (PMDB). Entre as mudanças está a extinção da aposentadoria por tempo de trabalho. Portanto, se hoje o engenheiro apresentado como exemplo pode aposentar-se aos 57 anos, precisará atingir idade mínima de 65 anos, ou seja, sete anos a mais de contribuição.

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Outro quesito da reforma é alcançar 25 anos de contribuição, circunstância em que a aposentadoria será com 76% do valor do benefício: resultante de 51% da média dos 80% melhores contribuições, mais 1% por cada ano pago. Para se aposentar com 100% do benefício, será preciso contribuir 49 anos – equivalente à soma dos 25 anos obrigatórios com mais 24 anos. No caso hipotético do engenheiro citado no início do texto, esse dia chegaria aos seus 71 anos.

Desde que foi apresentada ao Congresso Nacional em dezembro do ano passado, a PEC 287 vem sendo alvo de manifestações públicas e posicionamentos contrários, vindos de diversos setores da sociedade.

A Confederação Nacional de Trabalhadores da Indústria Química (CNTQ) e mais dois sindicatos pediram no Supremo Tribunal Federal (STF) a suspensão imediata da tramitação da proposta, com base no argumento de que a PEC fere preceitos fundamentais e cláusulas pétreas da Constituição, portanto, que não poderiam ser alteradas por meio de PEC. Em janeiro, Rodrigo Janot, procurador-geral da República, e Alberto Cascais, advogado-geral do Senado, posicionaram-se diante do STF contra a interrupção da tramitação da reforma.

Em fevereiro, o deputado Carlos Marun (PMDB-MS) foi escolhido como presidente da Comissão Especial da reforma na Câmara. Membro da bancada ruralista, Marun é um dos principais aliados de Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Em dezembro, o deputado visitou Cunha na prisão em Pinhais (PR), em viagem custeada por recursos da cota parlamentar.

Recém empossado, o deputado disse em entrevista transmitida pela internet que é necessária a aprovação do texto da PEC na Câmara entre o fim de abril e o início de maio, para que a proposta siga ao Senado.

A conta que não fecha

O principal argumento utilizado pelo governo Temer para justificar a PEC 287 é a existência de um “rombo na previdência”, calculado em R$ 85,8 bilhões, somente em 2015. No entanto, entidades e especialistas na área apontam equívocos na maneira como o governo identifica receitas e despesas para chegar ao déficit. Utilizando os mesmo dados, a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip) garante haver um superávit de R$ 11 bilhões para o mesmo período.

Isso ocorre porque a contagem do governo considera somente a receita de contribuição ao Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) e subtrai o valor dos benefícios pagos aos trabalhadores. Essa interpretação ignora o artigo 194 da Constituição Federal, que inclui a previdência social entre o tripé da chamada seguridade social, que “compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”.

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De acordo com a Constituição, a seguridade deve ser custeada pelas contribuições dos entes da federação (união, estados e municípios) e por toda a sociedade, com incidência sobre folha de salário, faturamento, receita, lucro e jogos (como Loteria Federal). O valor arrecadado pela seguridade deveria ser dividido em rubricas para os três componentes da seguridade.

Melissa Folmann, advogada e mestre em direito previdenciário, aponta ser esse o ponto chave na contradição do argumento utilizado pelo governo: “É aqui que começa o conflito, porque a fonte de arrecadação que vai para a seguridade social tem ano a ano sofrido perdas”, com isenções, desonerações, perdões de dívidas e com a Desvinculação dos Recursos da União (DRU), explica. “Talvez o argumento da reforma tenha gerado uma repercussão tão negativa por conta do argumento ser somente o déficit. Mas a população entende um pouco de economia também e começa a questionar”, provoca.

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Melissa Folmann é advogada, mestre em direito previdenciário, professora da Escola da Magistratura Federal do Paraná (Esmafe), coordenadora da Revista Brasileira de Direito Previdenciário da LexMagister, diretora do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário e membro do Conselho Deliberativo da OABPREV/PR.
(Foto: Ednubia Ghisi) 

Em agosto de 2016, o Senado Federal aprovou PEC 31 que prorrogou o uso da DRU até 2023, ampliando de 20% para 30% o volume de impostos e contribuições que poderão ser remanejadas livremente pela União, por exemplo, para o pagamento da dívida pública. Naquele período, a expectativa era de que o mecanismo liberaria R$ 117,7 bilhões para uso do Executivo no mesmo ano. Segundo a Anfip, entre 2010 a 2014 cerca de R$230,5 bilhões foram retirados do orçamento da seguridade social para outros fins.

Outro valor desconsiderado nas conta do governo são os R$ 40.124 milhões de renúncia previdenciária em 2015 – oriundos de isenções concedidas ao Simples Nacional, a Entidades Filantrópicas, ao Microempreendedor Individual, à Exportação da Produção Rural, entre outros. Também elevaria a soma geral da receita da seguridade a inclusão de fontes como a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), e a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), e o PIS-Pasep, que ficam de fora dos cálculos do governo.

Somado aos argumentos contrários à reforma está a necessidade de superar a sonegação fiscal, que chega a 27% do total que deveria ser pago em imposto pelo setor privado, de acordo com o informe anual da Organização das Nações Unidas (ONU), referente a 2015. O valor chega a R$ 500 bilhões, quantia próxima ao gasto com a previdência social no Brasil.

Para a advogada Melissa Folmann, a proposta de reforma da previdência deveria ser elaborada a partir de um estudo atuarial do regime geral, que consiste na identificação de fatores como o envelhecimento da população, previsão do pessoas vão precisar da previdência a longo prazo, estimativas do valor a ser gerado em recolhimento.

Aposentadoria especial pode ser “Banida do sistema”

Engenheiros de diferentes subcategorias, quando trabalham em atividades de risco, têm direito à aposentadoria especial com 25 anos de atividade. Trabalhadores da mineração, metalúrgicos, pilotos e professores, por exemplo, também se enquadram nesse benefício.

Olho: “A proposta [PEC 287] acaba com a aposentadoria especial e cria uma aposentadoria quase que por incapacidade, pois provar o dano é provar que a pessoa ficou com a doença resultante do trabalho”, afirma Melissa Folmann, advogada e mestre em direito previdenciário.

A PEC da reforma da previdência propõe a mudança de um termo, que transforma a interpretação sobre que trabalhadores têm direito à aposentadoria especial. Enquanto a lei atual afirma a necessidade de se comprovar “efetivo risco à saúde e à integridade física”, PEC sugere a comprovação de “efetivo dano” à saúde.

“A proposta [PEC 287] acaba com a aposentadoria especial e cria uma aposentadoria quase que por incapacidade, pois provar o dano é provar que a pessoa ficou com a doença resultante do trabalho”,
afirma Melissa Folmann, advogada e mestre em direito previdenciário.

Na avaliação da advogada Melissa Folmann, da maneira como está colocada na reforma, o benefício especial será praticamente “banida do sistema”. Isso ocorrerá pela falta de clareza das regras novas e pela modificação da finalidade da aposentadoria especial. “A proposta [PEC 287] acaba com a aposentadoria especial e cria uma aposentadoria quase que por incapacidade, pois provar o dano é provar que a pessoa ficou com a doença resultante do trabalho”, conclui.

A nova redação também retoma uma previsão criada na Lei Orgânica da Previdência Social de 1960, e fixa a idade mínima de 50 anos para essa modalidade de aposentadoria. Desde 1991, a Lei foi modificada para os parâmetros utilizada até hoje, que não preveem idade mínima.

Mobilizações da sociedade

As posições contrárias à reforma vêm de diferentes pontos de vista e categorias profissionais. Lançado poucos dias após a divulgação da proposta de reforma, o movimento Pela Verdade na Previdência reúne os maiores institutos de Direito Previdenciário e Seguridade Social do Brasil, além de advogados, professores e especialistas no tema. A partir de contato feito em janeiro de 2017, o Senge passou a apoiar a articulação. Outros sindicatos e entidades paranaenses também estão sendo convidadas a se somar ao movimento.

Ainda no bojo da reação do campo jurídico, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Nacional protagonizou o lançamento, em janeiro, de uma carta pública assinada por cerca de 170 organizações. O documento exige a suspensão da tramitação da PEC 287 no Congresso “até que se discuta democraticamente com a sociedade, de forma ampla, mediante a realização de audiências públicas que possibilitem a análise de estudos econômicos, atuariais e demográficos completos, a fim de que se dê a devida transparência aos dados da Seguridade Social”.

A luta contra a reforma da previdência também está no centro das mobilizações da Frente Brasil Popular, cuja articulação é nacional e a composição é principalmente de movimentos populares, sindicatos e organizações políticas. Março terá três datas de mobilização nacional: 8 de março, Dia Internacional da Mulher; 15 de março, convocado como Dia Nacional de Luta contra a Reforma da Previdência; e 31 de março, data que marca o aniversário do golpe militar de 1964.

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